quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Entre a definição e a (in) definição




Vivemos um momento social muito pobre do ponto de vista do desenvolvimento social, mas frutífero na óptica de observação dos visionários, dos que procuram viver num estado de presença, dos que não tentam encontrar na consciência uma definição da forma, mas a eterna indefinição da substância humana.
Todos os processos dedutivos falham redondamente no território da psicologia emocional, espaço onde a indução prevalece. Essas certezas das definições e dos conceitos sólidos, dos formalismos processuais jurídicos, são fruto da pequenez humana, da mesquinhez dum labor que se quer fácil e dito objectivo.
 Existe uma verdade maior comum a todos os seres humanos, destruída pelas rudimentares verdades (?) formais, por feições estanques sem alma, por estereótipos vestidos de divisões e barreiras sem sentido.
O tempo tornou-me mais tolerante, mas ao mesmo tempo mais inquieta nesta quietude de acreditar cada vez mais na voz do coração, no sentir que nasce do que vulgarmente denominamos Alma, mas que não sabemos definir, essa dança livre sem ortodoxias rígidas, que assiste à indefinição dos limites da rebentação de cada onda do mar.
Um dia alguém me disse que baralhava conceitos, como sabedoria e conhecimento. Talvez, mas sei que o verdadeiro saber nasce do sentir, e que conhecer é muito pouco. Sei que o tempo relativiza os pensamentos e que os murmúrios do oceano serão sempre indefinidos.
 Há coisas que não entendo, nesta dita definição que os legalistas gostam de pensar que vivem. A hipocrisia que reina na sociedade e em particular entre alguns magistrados e políticos deste país deixa-me mais leve, pois sei que não é por ali que vou, como diz o poema do Régio…
São muitas as coisas que talvez um dia conte por aqui ou por ali… mas gostava de saber como desaparecem documentos dum processo judicial e outros nem são lidos por quem de direito. Mas isto, são águas a serem explanadas na corrente que o tempo guarda…
E com estas indefinições tão definidas, resta-me citar Gibran:

 O Conhecimento

Não digais: achei a verdade.
Mas antes: encontrei uma verdade.
Não digais: encontrei o caminho da alma,
mas antes: encontrei a alma no caminho.
Porque a alma pisa todos os caminhos.
A alma não anda sobre uma linha
mas cresce como a árvore.
A alma desdobra-se como uma lótus
de inúmeras pétalas.

Khalil Gibran (*), in “O Profeta” [1923]
(*) filósofo, ensaísta, poeta e pintor: nasceu em Bsharri (Líbano) em 1883 e faleceu em Nova Iorque  em 1931.

Fotos: estátua de Khalil Gibran, em Bsharri (localidade perto de Beirute – Líbano).

domingo, 8 de novembro de 2009

Faces ou Fases Operativas?


O remoinho social em que vivemos assombra qualquer possibilidade de criar um espaço, onde a liberdade e a dignidade da pessoa humana sejam o ponto central nesta topografia social.

É quase norma instituída para o poder corrosivo, com máscaras abrasivas, o insulto gratuito, a difamação descomprometida… estas teias faciais sem rosto, onde o apadrinhamento impera e rasteja. Operações e cálculos sem ciência, golpes de engano embutido... é este o domínio restrito onde se movem as marionetas do poder.

Quem tem a prerrogativa constitucional para investigar (investigações pagas com o dinheiro dos contribuintes, não o esqueçamos…), não entende que o que é preciso não são mais meios, mas uma maior isenção, pois o sistema está minado, com infiltrações cada vez mais visíveis, falhas mestras que alastram no âmago da democracia.

É preciso mostrar trabalho, mesmo que para tal se atropelem os direitos básicos dos cidadãos. Assistimos quase diariamente a episódios descompensados e profundamente infelizes.

Um exemplo entre tantos: há uns dias, parada num engarrafamento de trânsito, assisti a mais uma cena lamentável que envergonha esta "democraciazinha" sem capacidade de evoluir. Um carro da P.J.,assinalando a sua marcha prioritária com a sirene azul (de acordo com o código da estrada) foi passando por entre as viaturas paradas, até que uns três ou quatro carros à minha frente, um dos senhores que seguia nessa viatura não identificada, solta um palavreado impróprio para o condutor duma viatura que não se desviou. Fiquei estupefacta, com as palavras que não reproduzo aqui... não queria acreditar que sendo a P.J. uma polícia com uma preparação qualificada e específica (muito diferente da PSP e da GNR) pudesse um dos seus agentes ter um procedimento daqueles, como se o salazarismo ainda imperasse por aqui.

Por vezes, penso que sim, e uma nova revolução urge nesta urbe com pouca urbanidade, chamada “portus cale”

E assim, vamos continuar com as operações ocultas, negras, brancas ou cor-de-rosa, pois o espectáculo a que a justiça se submete é decadente. A justiça não assenta em valores ou princípios economicistas, como nos querem fazer crer, mas sim na dignidade humana. A criminalidade económico-financeira deve ser combatida, sem dúvida, mas com o respeito que nos devem os senhores a quem pagamos os salários no final do mês…

pois, esta dança tosca de investigações que só tem como objectivo, a rotação decrépita das cadeiras e outro mobiliário do poder instituído, já aborrece!


E o Futuro começa Hoje…


“Os próprios Gregos também se sentiram presos no tempo e no espaço. O Camões, inclusivamente, ensinou, na Ilha dos Amores, que a pessoa só está presa no tempo e no espaço quando não é criador… a ilha dos Amores foi criada pela deusa da criatividade. Foi ela que fez aquilo e que depois veio falar aos portugueses. Falar de quê? Falar de Futuro!”

Agostinho da Silva (*), in “A Última Conversa” [1995]


(*) filósofo, poeta e ensaísta português nasceu no Porto a 13 de Fevereiro 1906 e faleceu em Lisboa a 3 de Abril 1994.


Imagem 1: desenho de Marta Koll.
Imagem 2: contracapa do livro referido, com citações de Agostinho da Silva.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Nação sem Inscrição


Acredito que as energias positivas são cruciais para um percurso mais equilibrado, mesmo nos momentos incertos em que a harmonia se desarmoniza, pois o melhor bem que alguém ou uma nação pode ter (não gosto do verbo possuir…) é ser saudável. A saúde é muito mais que um bem físico, ela é também a capacidade de comunicar com os outros no cômputo das divergências, pois a transferência de litígios para terceiros, o "passar a bola" não a querendo agarrar, consubstancia a redução do ser humano e do espaço onde não se inscreve, seja esse espaço público ou privado.
E não estou a falar de futebol, pois não gosto, mas respeito quem consegue estar cinco minutos a ver uns sujeitos a correr atrás dum objecto redondo… e falar-se desse objecto com o acervo dum debate nacional… é o que merecemos, provavelmente!

Com a conclusão das eleições legislativas e autárquicas, temos os senhores e senhoras a arrumar as suas ”casinhas”, como quem arruma livros numa estante de madeira nobre. No fundo, nada mudou nos alicerces do pensamento deste espaço geográfico a que chamamos Portugal e a sua falta de inscrição activa.

Continuamos com esta ”lenga-lenga” rotineira a que o povo se habituou e do qual não quer sair. No momento do voto, desconhecem-se as equipas adstritas a cada ministério dos diversos candidatos concorrentes, o que é um erro crasso na nossa democracia semi-parlamentar. As caras, os rostos, as pessoas… são fundamentais, elas são o barro que moldam as ideias e as práticas... quando existem, o que é cada vez mais raro, para não dizer inexistentes.

Vamos continuar com os problemas na educação, na saúde, na justiça… e quanto, a esta última temos que ter consciência que há muito que deixamos de ter uma justiça judicial, temos uma justiça administrativa, onde a vocação passou a funcionalismo público, na generalidade dos casos, com as devidas e veneradas excepções. Com o “processo de Bolonha”, temos uma formação académica cada vez mais precoce, com os riscos subjacentes à falta de maturação. Acontece com os professores, com os médicos, com os magistrados… A existência duma idade mínima para aceder a determinadas carreiras, é algo que deveria ser debatido com urgência, pois esta precocidade contém riscos graves nas mais diversas áreas sociais, mas disto não se fala, não dá jeito ao sistema instituído.

Sou contra qualquer tipo de obrigatoriedade imposta, e há muito que as teorias penais retributivas não fazem qualquer sentido, assim como as teorias penais de prevenção geral e especial estão profundamente erradas na sua génese, como têm demonstrado na prática. A reforma das leis penais, vai ser mais um fiasco, pois não se debate o cerne da questão: a responsabilização da inscrição de cada cidadão no destino da Nação, que dizem ser Portugal…

Deveria ser recomendado aos estudantes do ensino secundário a leitura dum livro fabuloso, de José Gil: “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”. Mas, também deve ser incómodo e prolixo para o sistema que dexamos instituir no nosso dia a dia, como meros assistentes numa plateia sem luz.

Quem não leu o livro, recomendo-o… livremente, como sou e serei… Sempre!

"Em Portugal nada acontece, «não há drama, tudo é intriga e trama».
… recusa imposta ao indivíduo de se inscrever.
… consciências vivem no nevoeiro.
… coexistência de ideias incompatíveis numa consciência clara que as une e faz delas «pensamento». O que supõe o nevoeiro invisível ou sombra branca.
… código penal português… o espírito «machista» que inspirou a redacção dessas leis…
… a consciência que resulta da não-inscrição vai conduzir o indivíduo português a familiarizar-se com espaços crepusculares, com o «entre-dois» de todas as alternativas que se erguem no seu caminho. Não implica isso que ele entre numa «atmosfera subliminar», ou ganhe não sei que textura amorfa da consciência."



José Gil, in “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”(*) [2004]
(*) capítulo II: O país da não-inscrição.






Imagem: Tela a óleo "Chichister Canal"[1828], de William Turner (**), exposta na "Tate Gallery", em Londres.
(**) Pintor romântico-impressionista (Londres, 23 de Abril de 1775 - Chelsea, 19 de Dezembro de 1851)

sábado, 26 de setembro de 2009

Um mal menor ou um bem maior



Dizem que a escolha é nossa, mas como se decide no cerne da mediocridade?

O sentido definido sem lamúrias do destino, sem fado lúgubre desta mesquinha culpabilidade, deste assombro de sombras confusas, desta mutabilidade imóvel suspensa em marionetas…
talvez por tudo isto, acredite que o país onde nasci, um dia alará como cavaleiro duma qualquer caravela, deste sangue que molda quase nove séculos um templo sem tempo, olhos abertos ao azul imenso do Atlântico…

Este ilustre pedestal de mármore erguido, que espera um qualquer D. Sebastião, sol doirado até cegar ou bruma densa até claudicar? Não sei por quem esperamos, que espera é esta do amanhã, vertigem que o momento presente condensa em obscuridade e condena um povo à sua tangibilidade, sem vislumbre dum outro horizonte...

Nada lamento, nada peço, sigo a luz que eclode dentro de mim, na fusão de todos os opostos duma nova dimensão, permeabilizando estereótipos, arquétipos e simbologias herméticas.

Sem rituais de vassalagem, o mar que me avassala é brando e justo, da justiça que os homens esqueceram, da brandura que os Deuses ignoraram.
Recortes de formas adulteradas moldam o pensamento laicizado de emoção, esta falta de consciência dos seres que povoam os órgãos da política… e não só, dos outros falarei depois.

Recordo hoje, o meu primeiro envolvimento político, o coração junto às cordas vocais por paixão (ainda hoje sou assim…), da primeira vez que votei, da primeira causa política na qual participei activamente contra a vontade do meu pai, da primeira eleição presidencial do Dr. Mário Soares (1985), casta que dificilmente se voltará a repetir. A inteligência era aliada de alguns políticos desse tempo, entre o manifesto e o protesto…

Hoje, temos os piores… assim, teremos que escolher um mal menor….

Acredito que depois deste mal menor, Portugal reencontrará o seu “Bem Maior”.

… Portugal perdeu a capacidade de sonhar… lá voltaremos…

Um sonho ainda chamado Portugal, adiado por timoneiros sem leme, nem tino…

Permanecemos neste dilema entre o sonho e o sonhador:

“Existe o sonho e existe o sonhador do sonho. O sonho é um breve jogo de formas. É o mundo – relativamente real, mas não absolutamente real. Depois há o sonhador, a realidade absoluta, na qual as formas vão e vêm. O sonhador não é pessoa. A pessoa faz parte do sonho. O sonhador é a base na qual o sonho aparece, aquilo que torna o sonho possível… O sonhador é a própria consciência - quem nós somos.”

Eckhart Tolle, in “Um Novo Mundo” [2005]


Foto 1: painel do soalho do Padrão dos Descobrimentos, em Belém.
Foto 2: corria o ano de 1985, para os lados de Belém...

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Palavras... para quê?


Tanto e tão pouco a escrever, tudo por sentir.

A menos de um mês das próximas eleições legislativas, nada de novo, tudo na mesma, melhor ou pior, atento ou desatento, autêntico ou encenado...

Falta a esta embarcação encalhada, perdida na noção de nação e de povo, um rosto com carisma, um olhar que conduza duma forma arrebatadora este mítico personagem timoneiro, este espaço onde dizem que nasci...
mas venho de muito longe, enlaçada nos laços dum velho amor.

Gosto do olhar do escritor A. Lobo Antunes (o único olhar para além dos olhos do meu amor), quando diz: “as máscaras caiem, mas os rostos permanecem”.
Confesso aqui, a minha paixão intelectual por um dos maiores escritores vivos. Quando morrer, repetir-se-ão as reportagens, as comemorações, as tretas de sempre, mas a vida, o agora, onde está?

A campanha eleitoral que estamos a assistir, é das piores desde o 25 de Abril de 74, personagens débeis, outros astutos, outros... simplesmente miseráveis.

Revejo-me por dentro como a minha história de vida que tem muito mais que quatro fugazes décadas...
suspendo-me num sonho de outros candidatos a primeiro-ministro, um Lobo Antunes, uma Natália Correia… e porque não, outra vez, Mário Soares.

Sei, sinto o tempo imenso que ando por aqui... neste planeta telúrico, longe e perto de mim, sobrevoando como ostra submergida o certo olhar do meu Amor...

Como é vil e desprezível a encenação a que assistimos, com debates toscos, “debatinhos” arrebitados,
assim, vislumbro a entrega do meu país ao desbarato.

As hierarquias, as burocracias, a “justicinha” administrativa, a inércia para tocar uma nova dimensão, a “politiquinha” decadente, o “povinho” acena e deixa passar a oportunidade de mudar o caos deste pequeno espaço no planeta Terra, a que ainda chamam Portugal.

Não existem almas candidatas para o destino da nação, só máscaras que se repetem, rostos que permanecem, nesta cópula entre o fascismo e o comunismo.
Assim, os pontos tocam-se, as margens submergem, sem alcançar o profundo azul do oceano (só o olhar azul do meu amor me toca...), tudo o resto não vale nada, como dizia José Régio…
políticos precisam-se, urgentemente... como o Amor...

Hoje, sei que não vou por aí...

(e este não é o meu espaço de poesia, mas poesia é tudo o que sinto...)







Cântico Negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio

domingo, 30 de agosto de 2009

Arco-Íris Nebuloso (no palácio Ratton)




Nesta tarde quente de Domingo, fui ter com uns familiares que têm uma casa num dos bairros típicos da velha Lisboa, e ao passar na R. do Século junto ao Tribunal Constitucional (palácio da antiga família Ratton do séc. XVIII, que se dedicou à chapelaria), comecei a costurar algumas ideias para este “post”.

A separação de poderes do Estado, teoria da tripartição desenvolvida por Montesquieu, torna-se cada vez mais híbrida, as áreas indefinidas alastram, pois o “Estado” assim o permite, ou seja, “NÓS” deixamos!

As eleições (autárquicas e legislativas) aproximam-se com as guerrilhas habituais de quem usa a política como uma função e não como uma Missão. Os missionários, ou estão em vias de extinção, ou partiram numa longa viagem, sem regresso certo.

O regime semi-presidencialista está a dar lugar a um sistema cada vez mais parlamentar, pois na prática o Presidente da República começa a estar cerceado em algumas áreas de actuação.

Segundo a opinião maioritária e favorável de cinco juízes do Tribunal Constitucional, e o voto contra de dois conselheiros (um deles o presidente deste órgão colegial, o Dr. Moura Ramos), não existe qualquer inconstitucionalidade na norma do novo código de execução de penas, pedida a apreciação da fiscalização preventiva pelo Presidente da República. Maioritariamente para o TC, tal norma não põe em causa a reserva de jurisdição do caso julgado, mediante a colocação em regime aberto, de reclusos depois do cumprimento de um quarto da pena. Essa decisão passará a ser da competência do Director-Geral dos Serviços Prisionais, que ocupa um cargo administrativo, na dependência directa do poder executivo.

Do ponto de vista meramente jurídico, mais uma vez temos um caso concreto, que personifica a mitigação dos poderes, e onde existe uma decisão administrativa que coarcta uma decisão (singular) ou deliberação (colectiva) judicial.

Mas serão as decisões judiciais intocáveis?

São tocáveis e cada vez mais, mas não desta forma.


Já aqui sublinhei a ideia, que os magistrados em geral, têm uma formação parca na área da psicologia e da sociologia, isto para não parecer utópica e entrar no campo filosófico, cadeira que se leccionava no último ano do curso de direito, provavelmente em vias de extinção com o acordo de Bolonha. A teoria economicista da competitividade continua a fazer muitos estragos, um deles foi a redução do tempo de formação em alguns cursos superiores. As Universidades em vez de serem espaços abertos ao saber, onde a maturação temporal é fundamental em determinadas áreas, correm o risco de se transformarem em fábricas de produção em série de má qualidade, ao estilo das grandes cadeias mundiais de hamburgers.

Transcrevo aqui palavras proféticas de Radbruch, autor que considerei “intragável” nos meus tempos de estudante, mas que hoje considero providas de sentido, neste tempo de programinhas eleitoralistas sem qualquer sentido, neste barco quase fundeado a que ainda chamamos Portugal:

“… a ideologia dum partido transborda para fora do quadro dos seus interesses materiais. É sabido que os exércitos da luta política têm também necessidade de estender o mais possível a sua linha de frente ideal, a fim de evitar a surpresa de serem envolvidos. A constante luta entre eles obriga-os necessariamente a terem uma solução programática para todos os problemas da vida pública, inclusive para aqueles que pouco ou nada têm a ver com os seus interesses originários…”

Gustav Radbruch [1878-1949], in “Filosofia do Direito”

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Formas e Moldes (num coração desenformado)


São os grandes acontecimentos políticos, económicos e sociais que desenham a grande tela da “História da Humanidade”, escrita em cada momento incerto, mas são as pequenas histórias, aquelas que caminham sem forma, do particular para o colectivo, que desenham o que “a posteriori” moldará essa tela colectiva.

Acredito que o percurso é da indução para a dedução, como raciocínio lógico, não só em termos filosóficos, mas nas outras áreas do saber. A análise da teoria silogística dedutiva aristotélica, remete-nos para uma forma de pensamento confirmativo, que perdura no molde social que enforma ainda o nosso mundo, ainda muito mercuriano (analítico) e pouco uraniano (sintético, no sentido Universal), e assim, esquecemo-nos que o mundo somos nós.

Os meus ideais de mudar este pequeno planeta do sistema solar, há muito que ficaram guardados no passado, mas continuo a acreditar que os pequenos gestos diários, confortam quem os merece, quem os recebe, sem nada pedir em troca.

O episódio que vou relatar, aconteceu-me e deixou-me a pensar, como um pequeno acontecimento sem importância, transportou o meu pensamento para este formalismo excessivo que enforma esta sociedade doente, e por vezes, enforca-a no esquecimento da substância de si...

Hoje, ao passar por uma via de sentido único, numa zona de vivendas para os lados de Carcavelos, deparei com um pombo ferido na berma da estrada. O pequeno animal esvoaçava uma asa, mas tinha a outra ferida ou partida, não sei, pois não percebo nada de pombos. Resolvi parar o carro e apanhar o animal com a camurça amarela que tenho no carro, para o levar ao veterinário que conheço na zona. Quando parei a minha viatura, não tinha nenhum carro atrás, mas de repente surge um carro disparado como se duma auto-estrada ou via rápida se tratasse. Naquela pequena rua escondida, não se deve poder circular a mais de 40 km/hora, mas o referido senhor quando reparou que a condutora do carro (ou seja, eu…) estava fora da viatura a apanhar o pombo, ficou depravado, para não dizer “depombado” (a palavra não existe, mas encaixa como molde perfeito na situação). Foram escassos os segundos que demorei, mas aquela pessoinha que me disse que não podia perder tempo, não percebeu que não perdeu mais que um minuto na sua vida, pelo facto banal de estar a socorrer o animal. Nada disto é importante, mas deixou-me a pensar o resto do dia e pela noite dentro. Entretanto, deixei o pombo no veterinário e fui à minha vida, pois para animais em casa, basta-me um gato…

Como é que estas pessoas pequeninas vivem sem substância, preocupam-se com as formas em que se enrolam e se sufocam? Não nutro qualquer apego por pombos, mas sou incapaz de passar ao lado e fingir que não vejo nada, pois seguir em frente é o caminho, atropelando tudo e todos! Quantos são os animais, sobretudo cães e gatos com que nos deparamos mortos ou feridos nas estradas? Estranhas formas que a sociedade molda nesta armação estereotipada e aceita como certas, como se o desenformar das leis formatadas pelos homens seja um acto de "não alinhamento social".

A transposição que faço deste acontecimento banal e isolado, para o pensamento que enforma o nosso sistema judicial, faz mais uma vez sentido, não o sentido que defendo, mas o sentido errado e injusto, do excesso de positivismo que padecem os nossos magistrados, pois, frequentes vezes esquecem-se, talvez por comodismo da dita "justiça de gabinete" que qualquer que seja a lei vigente que contrarie princípios morais e éticos, deixa de ter qualquer validade no plano da consciência humana, e o que é formalmente válido, quase sempre é substancialmente inválido e acima de tudo indigno.

Os vários intervenientes neste jogo do que chamam "justiça", esquecem-se que essa legitimação jus-positivista forma o molde que urge desenformar, para uma sociedade mais justa, mas acima de tudo, mais digna, que atenda à substância das causas. Não nos esqueçamos que a verdade que a "justiça" procura é meramente material, mas costumo dizer que é uma mentira substancial…

Será que assim os pontos se tocam? Como o lastro da rebentação das ondas na praia? Se o mar tivesse um limite certo e positivista para as ondas tocarem a areia, desvirtuava toda a noção de equilíbrio e harmonia, que o Universo nos propõe.

Assim, prossigo com o meu coração desenformado…
como onda que não procura definições estáticas na rebentação da areia da praia…

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Estado Pacóvio








Com o tempo ficamos mais tolerantes, aceitamos melhor o “suposto mal” que nos querem fazer, elevamo-nos na "insustentável leveza do ser" (talvez, o filme que mais me marcou…), ficamos mais leves, deixamos que a alma nos observe a nós próprios e ao mundo envolvente, ou seja, aos outros a quem dedico este espaço, no descolar da alma do ego e aceitar quase tudo, posso dizer mesmo tudo.

Por vezes, sinto (agora na primeira pessoa do singular) que vivo numa sociedade arcaica, rude e primitiva. Ainda hoje ouvi duas notícias bizarras:

- proibição de andar em tronco nu ou em fato de banho nas ruas de Cannes, para promover os bons costumes… além das multas, a polícia distribui t-shirts aos abusadores… assim, o Estado pacóvio arroga-se destes abusos mundanos! Os senhores polícias multam todos os que mostrem o que Deus lhes deu, melhor ou pior segundo o conceito variável da estética de cada um, e assim lavram umas multas oficiais e distribuem camisolas a quem ofender a moralidade e o pudor público (quem pagará a produção das referidas farpelas?), assim se aplica o dinheiro público no Sul de França… é mesmo aqui ao lado, talvez, esteja já prevista uma dotação orçamental para o mesmo fim, no próximo O.E., seja do Sr. Sócrates ou da Sra. Leite. Quem sabe, se não estará em curso a criação do "Ministério dos Bons Costumes"!

- mulheres no Sudão que usam calças, são chicoteadas em público: plena ousadia em pleno século XXI!

Assim, fiquei suspensa num outro tempo incerto, o tempo dos outros, não o meu que me veste a alma, e me despe olhar... este é o tempo primitivo onde a estupidez de quem legisla é atroz. Os arquétipos do "Estado Social e Liberal", são destruídos pelas notícias de rodapé que ninguém liga, pois o importante são os milhões da bola rolante e as aventuras amorosas de estrelas sem brilho.

Tentar um paralelismo entre a França e o Sudão não é fácil, mas estas "pequenas" notícias reflectem o enquadramento (lá quadrados são…) da legislação destes dois países distantes e diferentes nas mais diversas áreas, mas a essência das duas notícias é a mesma, numa gradação diferente: a multa administrativa e a condenação judicial.

O Estado pacóvio gosta destas coisas! Educar o povinho, renegando assim, a verdadeira educação, cerceando as liberdades elementares e privadas, nas quais o Estado não tem que se intrometer. Este Estado metediço que acredita que deve solucionar questões do foro privado e emocional dos seus cidadãos, que pensa ter o condão de decidir e deliberar (consoante seja um órgão singular ou colectivo) sobre a vida privada de cada um.

Esse mesmo Estado cujos magistrados passam pelo Largo do Limoeiro, junto à Sé de Lisboa, com uma carga lectiva de 9 unidades em psicologia judiciária, segundo o relatório de XXVII do curso normal do C.E.J. Assim, arroga-se do que não tem condições técnicas para saber. A preparação em psicologia dos nossos magistrados é quase nula, alicerçada, por vezes, a uma curta experiência de vida, o que os torna incapazes para exercer a dita função pública. Quem se der ao trabalho de analisar as componentes e cargas horárias do referido curso do C.E.J., verificará como a justiça só pode ser lastimável e pueril, por frágil e desadequada da realidade. Não esqueçamos que o C.E.J. detém o monopólio na formação dos nossos magistrados. Esta questão dá pano para mangas, como dirá a gíria popular.

O conceito de Estado da dita actualidade, não passa duma máquina mimética, dum paternalismo fora de tempo, que se aproveita do conhecimento do tecido social e económico deste Portugal plantado a Oeste da Europa e vista sobre o imenso oceano Atlântico, para esticar os seus tentáculos de invertebrado a práticas totalitárias (de esquerda ou de direita, o problema já não é esse…) e aceitar como prática normal, prerrogativa duma democracia balofa e doente, que determinados senhores do M.P. mintam à boca cheia! Assim, se escoam parte dos nossos impostos para pagar a esses senhores mentirosos. Se alguém me processar pelo que acabei de escrever, neste espaço que subscrevo completamente, poderá fazê-lo, pois tenho provas mais que suficientes do que acabei de escrever... mas a água lavada leva tudo à frente…

Quase tudo ficou por dizer, sobre este Estado pacóvio e paternalista, que se comporta como um padre moralista, não no sentido dum Deus libertador e acolhedor de todos nós, aquele que acredito existir dentro de cada ser, mas de alguém sem moral, sem ética, de alma pesada…

Este não é o meu tempo certo, é o tempo incerto de quem se esqueceu que a alma e o coração comandam a vida.

O Estado gosta de nos intimidar com placares electrónicos a piscar: “mortes, feridos na estrada… não beba, não fume, descanse, durma…” – esta não é uma função do Estado, só mesmo uma sociedade pacóvia, se permite a esta propaganda incongruente. Temos radares escondidos, com agentes pidescos atrás de postes e de árvores na caça à multa… este é o Estado pacóvio que nos permitimos, da estupidez, da pequenez, do cinzentismo dos serviços públicos, dos tribunais que mais parecem hospitais, com carrinhos de metal ferrugentos, com uma pilha de papelada sem sentido a ser transportada dum lado para o outro, como quem transporta medicamentos numa entidade hospitalar pública. Não vou falar do escândalo que se deu no Hospital de Santa Maria e na cegueira dos doentes, que acreditaram numa instituição de saúde pública…
ficará para um próximo momento incerto.

O paralelismo entre a saúde e a justiça ficará para uma outra abordagem, pois muito haverá para dizer.

Faz sentido citar um dos meus Mestres, o Prof. Agostinho da Silva: “A velha história da lógica metida na vida. Há que subir as escadas para chegar ao terraço”.






Imagem 1: este Estado pacóvio...

Imagem 2: o Sr. Francisco... obrigado, por tudo o que me ensinou!

Imagem 3: eu, num local onde penso voltar um dia, talvez de vez - Sagres, e tudo o que aprendi com os pescadores dessa vila onde se avista o infinito.
Talvez, esta seja mais uma homenagem ao Sr. Francisco, do qual já falei no meu "Momento Certo", pois o que aprendi com esse pescador, hoje com quase 80 anos e que nunca soube ler nem escrever, foi mais importante do que tudo o que podia ter aprendido nas mais conceituadas faculdades do mundo...
o Sr. Francisco é uma das maiores referências da minha vida...

sábado, 4 de julho de 2009

Chaves da previsibilidade



A forma como a sociedade se enforma, deforma todas as ideologias do pensamento clássico, talhado por uma plano inicial, não iniciático (esse pertence ao meu momento certo), onde continuamos a pensar que a separação de poderes protagonizada por Montesquieu permanece. Puro engano, mera cegueira da realidade social do século XXI, que dizem ser aquele que se iniciou há nove anos, nesta contagem do tempo gregoriano, espécie de gestualismo impressionista dos nossos dias correntes e solares.

Já o escrevi que estou cansada de falsas esculturas lapidadas a plástico, por muitos homens e algumas mulheres que gostam de imitar os homens, no seu pior. Não existe separação efectiva de poderes, entre o poder legislativo, executivo e judicial. Todos sabemos de "fantásticas" leis e decretos-leis que são elaborados na A.R. para privilegiar uma das partes num qualquer processo judicial. Não nos esqueçamos do caso “Casa Pia” e a alteração legislativa do D.L. 59/2007, ao nº3 do artº 30, do Código Penal. Nunca foi notícia de nenhum telejornal, nunca ouvi ninguém falar desta questão perturbante nos órgãos de comunicação social, por isso, o povo permanece adormecido. Qual separação de poderes? Uma gota de veneno inquina todos os oceanos da Terra, pois todos eles estão todos ligados. A próxima guerra da Humanidade será a da Água, mas disso falarei oportunamente, pois continua a ser mais importante a transferência futebolística dum rapazote que nada sabe fazer, a não ser dar uns chutos numa bola, do que as grandes questões que deveriam protagonizar a nossa comunicação social.

Todos procuram chaves e chavitas para um possível destino, esquecendo-se que é de dentro que tudo nasce. O dia nasce da noite, e não o contrário, como querem por vezes ensinar-nos em grandes compêndios, sem qualquer brilho lunar.

Quando somos alvo dos mais mundanos disparates, alguns deles numa tentativa de frutificação sem frutos, pois nem folhas, nem caule, nem raízes existem, apetece subir o tom da voz e do olhar aos ditos cujos (políticos executivos e legisladores, magistrados judiciais e do M.P.) que por aí proliferam, alguns deles (cada vez, mais!) numa atitude de arrogância, pequenez e muita estupidez, como putos da escola primária, no corredor dum qualquer parlamento ou tribunal. Um episódio caricato que vivi há pouco tempo, fez-me lembrar os tempos da escola primária, dos corredores e das salas de aula. Como a atitude do ex-ministro da economia, revela na sua essência, do mesmo padrão de evolução civilizacional, desenhada por punhos maioritariamente masculinos.

A base do sistema social onde assentam os poderes são terrenos movediços, intrincados e viciados, com dogmas que as vidas, de tão célere urgência quotidiana aceitam sem pensar.

A chave está dentro de cada um de nós, cada um reconhece a sua… confesso que a minha não está no plano social, procuro reencontrar emoções esquecidas, abrir a porta a sentimentos fundidos, mas existe um pequeno lado meu, de consciência social.
Foi há muito tempo que li “1984” de George Orwell… velhos tempos do liceu, das fugas para uma das minhas paixões naquele tempo: a companhia de teatro amador onde tanto aprendi, e no dia que acabei de ler esse livro, quase abri a cabeça involuntariamente a um colega do teatro, quando arrastava uma longa mesa pontiaguda, estávamos na fase final de ensaios duma peça do Garrett. Não sei porquê, mas associo sempre o Orwell com esse episódio da minha vida, que de tão teatral foi quase real. Mas… 1984 há muito que foi ultrapassado, torturado pelo próprio tempo, pois vinte e cinco anos depois, a ficção deu lugar a uma realidade trespassada por ela própria.


Dizia assim, a contra-capa do referido livro:

“Tirou do bolso uma moeda de vinte e cinco centavos. Ali também, em letras muito minúsculas porém nítidas, liam-se as mesmas frases: do outro lado, a cabeça do Grande Irmão. Até mesmo da moeda, aqueles olhos o perseguiam. Nas moedas, nos selos, nas capas dos livros, nos distintivos, nos cartazes, nos maços de cigarros – em toda a parte. Sempre os olhos a fitar o indivíduo, a voz a envolvê-lo. A dormir ou acordado, a trabalhar ou a comer, dentro ou fora de casa, na casa de banho ou na cama – não havia fuga. Nada pertencia ao individuo, excepto alguns centímetros cúbicos dentro do crânio”.

George Orwell , in “1984”, escrito em 1948 (a inversão do tempo foi um presságio concretizado). Quem consegue escrever hoje o “2090”?

É uma chave de difícil previsibilidade…

sábado, 13 de junho de 2009

Trajectos e trajes sem trajecto



Quando entrei na faculdade de Direito, existia uma cadeira que se chamava: “História das Instituições e do Direito Romano”, que provavelmente com estes acordos de Bolonha já não existe ou para lá caminha. Reduziu-se de cinco para quatro anos a licenciatura em Direito o que constitui um erro crasso, com resultados muito negativos que o futuro manifestará. Nunca entendi esta urgência do tempo da sociedade de consumo, onde nunca me revi, esta fragmentação das pessoas, estes interesses mesquinhos e pequeninos que se esfumam como a neblina matinal na manhã seguinte.

Estudei direito romano, com o Dr. Silveira Botelho com quem aprendi umas coisas que hoje dou algum valor, mas naquele tempo não pensava assim, pois o chefe de gabinete da Drª Leonor Beleza evadia-se das aulas antes dos jornalistas chegarem a Sta. Marta… grandes peripécias desses tempos incertos de 1990. Nesse tempo estudei a evolução dos trajes que os magistrados e advogados envergaram ao longo dos tempos, as suas linhas de corte e costura têm uma explicação sociológica, psicológica e cultural, nesta sociedade ainda patriarcal. As ridículas cabeleiras postiças dos senhores juízes, os sapatos de tacão alto que usavam (parece que alguns ainda os usam!) encobertos por aquele traje horrível que chamam togas na pele dos advogados e nas becas no caso dos magistrados, urge acabar, urgentemente! Dizem que o preto pelo facto de ser uma cor neutra, neutraliza o rosto e o corpo, da causa ou da acção... Todo o sistema judicial é superficial e latente, criado pela face dos homens sem rosto!

Não esqueçamos que as mulheres só tiveram acesso à magistratura e à carreira diplomática num passado recente, pois tudo o que é inferior a 40 ou 50 anos, é um passado próximo em termos de análise histórica dos factos. Hoje, os números revelam que as mulheres estão em maioria (será que estão mesmo, na essência do feminino?), basta passar os olhos pelo último relatório do CEJ. Qual será o impacto desta mudança, em termos da constituição parlamentar, de novas ideologias políticas que possam germinar num futuro próximo? Nunca acreditei em nada que funcionasse pela imposição, por isso, não entendo a questão das quotas das mulheres na política. É completamente absurdo este pensamento, não frutificou em mentes de mulheres de verdade, mas em mulheres que imitam o pior dos homens. Não entendo as mulheres que falam como os homens, que se vestem por dentro e por fora como eles, que fazem parte dum tecido social germinado pelos homens, na sua mais profunda banalidade. São as próprias mulheres que se dividem entre elas: as letradas e as que não o são. É redutora esta forma de pensar, é uma renegação das “outras” mulheres: as operárias, as mulheres que por qualquer motivo não tiveram acesso a outros níveis de escolaridade, o que nem sempre é sinónimo de educação. Conheço verdadeiras mulheres com pouca instrução académica, assim como também conheço falsas mulheres com formação universitária, algumas até com doutoramentos...

Não sou feminista no sentido puro do termo, mas sim matricial, aliás como também o era a grande diva: Natália Correia. Temos que caminhar no sentido de despertar nos homens a verdadeira ligação que existe entre a terra e o céu. Continuamos a viver com leis patriarcais, com religiões patriarcais, com trajes patriarcais, mas acredito que o trajecto poderá ser outro e acontecer a qualquer momento, na incerteza do tempo dos outros, mas que também é o nosso, o tempo da nova era aquariana, onde as verdadeiras mulheres serão o motor de arranque para uma nova dinâmica social.

Concluo esta minha divagação na incerteza dos tempos, na certeza das palavras duma das mulheres que sempre admirei desde muito cedo nesta minha vida, palavras providas duma actualidade extrema, passados quase 26 anos...

e assim se recorta e recorda a história que fica para a eternidade, num trajecto com rosto:

“… não vale a pena a mulher libertar-se para imitar os padrões patristas que nos têm regido até hoje… a mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva da Natureza, precisamente para os impor ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e foram criados pelas nacionalidades masculinas…”


Natália Correia , in entrevista ao DN em 11-09-1983



Foto 1: Natália Correia - um trajecto sem traje que fica na história da humanidade.
(subscrevo o olhar e a alma, completamente e de dentro...)

Foto 2: Um qualquer funcionário do Estado - traje sem trajecto.
(nada subscrevo... nada mesmo)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Europeístas... convictos!




Existem momentos, neste caso, incertos, em que o que sinto dos cenários político-sociais me deixa apreensiva em relação ao futuro das novas gerações… mas o futuro nasce do agora, e esse em nada é autêntico, verdadeiro, desprovido da inteligência que move os homens com ideias que nascem de dentro, homens com convicções mais que religiosas, homens que conseguem transpor o seu próprio tempo. Esses homens estão arredados da política activa, infelizmente.


A campanha eleitoral destas eleições, do que ainda chamam Europa (será que voltaremos a ser raptados por algum Zeus… dizem, que a história repete-se sempre…) é mesquinha, com candidatos do pior que já vi, desde que a democracia se instalou (será?) neste quintal europeu.

O desnorte social é total, sente-se nas pessoas com que me cruzo no café, no supermercado, nos lugares comuns e banais do chamado quotidiano. Entendo melhor o olhar da porteira do meu prédio e da senhora da limpeza, do que dos senhores magistrados que os escondem por vergonha em processos injustos. Refugiam-se em pareceres teóricos, em trocadilhos legais, na malha legislativa que tão bem conhecem, atabalhoando assim a realidade dos factos. Alguns nem dão a cara, nem o olhar, lavram (lavrar: penso sempre na fazenda pública…) uns papéis a que chamam “despachos”, entregues educadamente, por funcionários a quem de direito. Chamo a este procedimento: hipocrisia legalista e desmérito no exercício público das funções, para as quais não estão habilitados, por falta de formação moral e ética.

A falta de ideais preocupa-me, a falta de entendimento nos olhares magoa-me, pensar que a vida é uma função burocrática aterroriza-me, e assim a sociedade umbilical desprestigia aquilo que ainda chamo condição humana, não no sentido de condicionamento, mas de libertação.

Fiquei surpreendida com a candidatura do Dr. Vital Moreira a estas eleições europeias… nem todos temos a capacidade de prognóstico, da noção de tocar a linha do ridículo. Só se pode aperfeiçoar aquilo que se tem, como o dom da palavra… não é o caso, o que neste caso (o redundância casuística é intencional) é fundamental.

Por mera curiosidade fica aqui, mais um daqueles livros que li no início da faculdade, por coincidência do senhor referido no parágrafo anterior – quem diria, passados 22 anos, o referido senhor seria candidato ao Parlamento Europeu… talvez daqui a duas décadas seja cantor de ópera na Lua, pois as viagens já estão à venda, nunca se sabe! Basta comprar o bilhete... às vezes, a política actual que se confunde com a actualidade política, também é assim: compram-se passes de passagem, onde os passageiros não deixam rasto, só restos de figurações esquecidas no dia seguinte.

“… de todo o exposto resulta que o capitalismo tem moldado à sua feição uma ordem jurídico-política que o exprime e assegura. Através de todas as transformações, a ordem jurídica tem sido um elemento constituinte e um esteio fundamental do capitalismo. Apesar das restrições e da admissão de elementos contraditórios, a ordem jurídica mantém como núcleo essencial, como instituição irrenunciável, o fundamento do capitalismo como sistema económico: a propriedade privada dos meios de produção… É por isso que a substituição deste implica uma transformação social-revolucionária.”

Vital Moreira, in "A Ordem Jurídica do Capitalismo" [1987] (*)


(*) será que utilizaria hoje a mesma palavra composta: “social-revolucionária”? Cada um terá a sua resposta, no próximo Domingo…



Imagem 1: Capa do livro referido (a digitalização é má, pois o livro está amarelecido, passou muitos anos na minha arrecadação...)


Imagem 2: Pintura de Wassily Kandinski, pintor e artista abstraccionista, professor da Bauhaus, licenciado em Direito, estudou economia. Nasceu em Moscovo em 1866 e faleceu em 1944, com nacionalidade francesa. A obra de 1910, está exposta no Museu Nacional de Arte Moderna, no Centro Georges Pompidou, em Paris.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Ossos dum ofício pouco justo






















Ao contrário de tudo o que aprendi na retórica dos bancos da escola, ao contrário de todas as teorias formalizadas nas leis escritas pelo punho inconsequente dos homens, este é o tempo presente da completa inversão de valores, dos mutantes momentos incertos, os momentos que não estão dentro de mim, os momentos domados pela estupidez humana.

Um senhor juiz, de seu nome Gouveia de Barros, sim porque os senhores magistrados sejam eles judiciais ou do M.P., têm um nome, um rosto, um olhar, são gente de carne e osso, têm sangue arterial a correr nas artérias, sangue venoso por purificar nas veias, talvez alguns tenham coração, talvez alguns tenham cérebro… ou talvez, não.

Gosto de assistir a rostos com a expressão da alma, olhares radiografados pelo sentir, emoções que escorrem da essência a que chamamos humana, ao que vem de dentro, mesmo quando esse dentro é aparentemente pouco preenchido. O que assistimos hoje na comunicação social, foi uma voz que dizia ser o supra-referido juiz, que balburdiava (penso que não está no dicionário, mas gosto de suscitar novas palavras, quando apropriadas...) umas cogitações sobre o caso chocante da criança (por sinal, uma menina… ) de seu nome Alexandra, mas podia ser Manuel . Os nomes das crianças não interessam, mas os nomes dos magistrados judiciais e magistrados do M.P. interessam, pois quando algo está errado, é preciso denunciar (não gosto da palavra, mas não encontro outra...) com todas as letras.

Não esqueçamos que os senhores juízes têm uma licenciatura em direito, como qualquer cidadão vulgar pode ter, e uma breve passagem pelo Largo do Limoeiro, na minha velha Lisboa, junto à Sé… fui lá algumas vezes, a primeira em 1999 quando acabei o curso, pois pensei na possibilidade de ingressar na magistratura judicial, mas um casamento e um projecto de vida a dois, demoveram-me desse intuito. Percorri outros caminhos, os quais naquele tempo acreditei. Voltei ao Largo do Limoeiro (árvore que frutifica limões, que fazem excelentes limonadas, de preferência sem açucar...) uns anos mais tarde, para outras diligências.

É triste o que se está a passar neste berloque plantado junto ao oceano Atlântico, a que ainda chamamos Portugal. O descrédito no aparelho judiciário e judicial (não são sinónimos) é total, como se assistiu mais uma vez, nas últimas horas passadas neste recanto do planeta Terra. Um juiz não pode proferir cogitações e tristes lamúrias pendentes de nada, como hoje se assistiu na comunicação social. Fiquei com a sensação de estar a ouvir (pois não lhe vi o rosto, nem o olhar… o que para mim é fundamental) um puto a falar duma guerrilha num jardim de infância.

O estereótipo daquilo que se chama prova, no sistema jurídico-penal, terá que ser repensado, pois o Q.E. (coeficiente emocional) em determinados processos judiciais, sobretudo criminais é muito mais que urgente. Sei do que falo, por experiência própria, conheço o sistema por dentro, os podres que se acobardam em despachos irrecorríveis, pois a lei (seja lá o que for…) não o permite. Há poucos dias, tive náuseas quando me sentei diante dum senhor que diz ser delegado do M.P., com um dos seus dois membros inferiores a bater no chão, num ritmo cadenciado mas sem musicalidade, a menos de dois metros de mim. Percebi como estava incomodado com a minha presença, como a sua voz encolhida sentia a mentira que a lei lhe permite. Não sou de denunciar ninguém, mas existem determinadas questões que não aceito, quando me atiram à cara, que há despachos que não se discutem, mesmo quando vertem mentiras com cara, num rosto definido de descaramento total. Chamo a isto: falta de digninade no exercício da causa pública... mas o pecúlio ao fim do mês (ainda?) está assegurado, enquanto o povo continuar a pagar para estes senhores fazerem brilharetes nos trocadilhos que as leis lhes permitem.

O caso Alexandra, demonstra os podres do sistema que urge mudar…

O senhor juiz ficou incomodado, chocado e penitencia-se pela sua decisão (citação literal das suas palavras), não previu (juízos de previsibilidade e probabilidade que se estudavam no 4º ano em direito penal, como estudei com o contributo valioso do Dr. Frederico Costa Pinto), que parece que este sr. juiz desconhece.

Ossos dum oficio pouco justo…

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Xeque-Mate




Este será o espaço da minha visão político-jurídica, com ténues laivos de economia, a minha percepção dos outros, do quotidiano, dos caminhos que os homens grandes tentam trilhar e que os pequenos demovem na sua encefalia minorca. Este será o espaço dos outros, pois o meu lado certo continua no "Momento Certo": www.omomentocerto.blogspot.com

No ano de 1989, depois de algumas tentativas falhadas em outros cursos superiores, nomeadamente, sociologia e psicologia, entrei em Direito, na U.A.L. , pois faltaram-me 0,1 décimas para entrar na Clássica de Lisboa, chamava-se assim, penso que ainda é assim…

Valeu a pena, tudo o que vivi, o que aprendi, os professores, alguns amigos que hoje permanecem… Tantas histórias por e para contar… talvez por aqui.

No primeiro ano da faculdade estudei ciência política, com o Dr. João Proença de Carvalho… eu, miúda (hoje, considero que o era naquele tempo…) de 23 anos ficava fascinada com as aulas daquele senhor alto e moreno, que falava de sistemas políticos, da República de Weimar...
... e “Xeque-Mate”, de Maurice Duverger, foi o início dum caminho na minha consciência política. E eu que nem sei jogar xadrez, só damas e muito mal…


Aqui ficam algumas transcrições literais de parte do prefácio da edição portuguesa, de 1978:


“XEQUE-MATE é publicado em Portugal no momento em que o problema dos poderes presidenciais se situa no centro da actualidade…

Lembremos que se trata dum livro de ciência política e não duma obra partidária, como um biologista descreve os equinodermes ou as criptogâmicas…

Desde que este livro surgiu, dois acontecimentos importantes se produziram nos regimes semi-presidencialistas: as eleições francesas de Março de 1978 e a actual crise portuguesa. Eles confirmam as análises da obra. Valéry Giscard d’ Estaing tem praticamente adoptado a interpretação de XEQUE-MATE quanto aos poderes de um presidente colocado perante a maioria parlamentar oposta à sua política: rompendo assim com os seus predecessores. O seu comportamento desde a sua vitória mostra a clareza que o declínio do poder do chefe de Estado entre 1974 e 1977 devido à situação política com a mesma energia do general de Gaulle ou que Georges Pompidou se beneficiasse dos mesmos meios e isso verificou-se…

Afirmar que se passa ou que se tentou passar de uma interpretação parlamentar e uma interpretação presidencial da Constituição portuguesa, não tem sentido. Ela estabeleceu um regime semi-presidencial, que não é totalmente parlamentar, nem totalmente presidencial, mas que une os dois aspectos. O sistema debruça-se de um lado ou de outro segundo a relação das forças políticas, muito mais que a vontade dos homens…

Tal é a lógica do sistema. Foram necessários 20 anos aos franceses para compreenderem o regime semi-presidencial; não poderia acusar os portugueses de compreender mal o seu, num prazo dez vezes inferior. Espero que a leitura de XEQUE-MATE lhes faça ganhar tempo.”


Maurice Duverger, in “Xeque-Mate” [1978] (*)


(*) estamos em 2009 e poucos leram XEQUE-MATE…

Foto 1: Corria o ano de 1989...
Foto 2: Capa da edição portuguesa de XEQUE-MATE.