quarta-feira, 21 de abril de 2010

Abril É Um Rio...



Abril terra de mil sabores, cores e amores… 
Abril volta a fazer sentido, entre intuições e deduções quase silogísticas. Abril guarda o sabor de todas as sinestesias rebeldes, do toque ardente das percepções oriundas da alma, sentidos cruzados numa panóplia de cruzes esféricas, enternecidas por todos os abraços.
Abril anda por aí, à solta dentro de mim, de ti… de nós, do tempo que não queremos certo ou recortado no rigor da métrica, das fragrâncias bebidas em travos adocicados, dos cravos saboreados como um licor dos Deuses,  das ondas cristalinas deste novo mar, do silêncio como expansão duma nova linguagem, das tuas mãos nas minhas redescobrindo a terra encantada, num cântico que queremos condescendente e Universal.
Abril é a semente benigna desta vidência ancestral, árvore de mil verdes onde brotam mil olhares de vidas Unas...
Abril acontece-me em todos os momentos…
e uma estrela voltou a brilhar...
em Abril...



Deixo-vos com uma passagem dum livro que reli num só fôlego, pois acredito que os milagres acontecem quando os deixamos acontecer…

 " - As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para os viajantes, as estrelas são guias. Para outros, não passam de luzinhas. Para outros, os cientistas, são problemas. Para o meu homem de negócios, eram ouro. Mas todas essas estrelas estão caladas. Tu, tu vais ter estrelas como mais ninguém...
     - O que é que isso quer dizer?
     - À noite, pões-te a olhar para o céu e, como eu moro numa delas, como eu estou a rir numa delas, para ti, é como se todas as estrelas se rissem! Vais ser a única pessoa do mundo que tem estrelas capazes de rir!"

Antoine de Saint-Exupéry, in "O Principezinho"

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Coros e Cortejos












Um velho disco de jazz toca do outro lado da sala, entretanto, descanso o olhar no quadro que preenche uma das paredes do meu escritório: "A Apoteose de Homero", do Dalí, um dos meus pintores de sempre, como quase todos os surrealistas. A reprodução da tela que tenho, foi adquirida numa loja de gravuras em Paris, há mais de quinze anos, num tempo em que acreditava na felicidade como fim possível e tocável, sem qualquer espécie de surrealismo, a tendência que mais me toca nas diversas faces da arte.

Na vida nada é embutido e todos os embustes caem, quando na imediação do olhar o verdadeiro sopro da vida acontece. No final do ano de 1999 tive um problema de saúde grave. Há coisas que me transcendem, e esta foi uma delas, pois encontrei o médico certo no momento certo, que prestava serviço no público e no privado. Mas as estruturas do sector público não me deram resposta a nada… felizmente tive a possibilidade de pagar a intervenção cirúrgica, tendo passado dez dias numa espera que hoje recordo como tendo sido os piores dias da minha vida. Na noite que fiz 33 anos fui submetida à referida intervenção cirúrgica, de alto risco (só mais tarde tive conhecimento da gravidade da situação!), e passados dez anos sempre que revejo o médico que me acompanhou, sei qual o sentido certo da palavra gratidão... talvez, por isto e algo mais, acredite que o céu nunca se engana...

Foi nesse dia que tive de optar, entre um hospital público que não me deu qualquer data previsível para a cirurgia e o hospital privado (para os lados de Benfica...), que tomei a verdadeira consciência do país onde nasci. Nesse momento deixei de acreditar no Estado de Direito Democrático, por todos os motivos e muitos mais…

Quem tem a possibilidade de optar, será mais livre do que quem não tem? Claro que sim... Só pode escolher quem tem essa hipótese, nomeadamente na área da saúde e da educação. Rendimentos de magros Euros no final do mês , cerceiam ao cidadão essa escolha, que poderá ser entre a vida e a morte. A Constituição da República Portuguesa, diz que todos temos direito à saúde, à educação, à justiça, à habitação... As utopias das  leis programáticas e hipócritas são isso mesmo, o sonho que nunca acontecerá neste cortejo dum Estado remetido à fraude dele próprio.

O ano passado tivemos um exemplo escandaloso dos doentes que ficaram com lesões oculares graves, num hospital público da área de Lisboa. Existem excelentes profissionais na área da saúde em Portugal, mas são as estruturas que falham, as atribuições, as competências, as hierarquias e as burocracias. Numa palavra: falha a forma.

Por isso, quando vejo estes senhores em jeito de pinguins, todos os dias com a mesma lenga-lenga, com as escutas e as escutinhas para trás e para a frente, com discussões ocas de sentido quanto ao segredo de justiça, quanto à separação de poderes (que não existe!), com a quantidade de leis feitas para casos concretos (não nos esqueçamos do processo Casa Pia...), pergunto: que legitimidade têm estes senhores, desde os legisladores incompetentes que elaboram umas leis consoante faça sol ou chuva ou a cor do arco-íris pela qual pensam estarem a ser irradiados, até aos magistrados que as aplicam, uns duma forma competente e séria, outros abusam do dito poder (?) discricionário, sob a alçada de sociedades secretas, interesses de grandes grupos económicos e muito mais que não se fala, perseguem cidadãos inocentes, fantoches dum qualquer "menino do coro" e assim cantam a canção da mentira, fazem desaparecer documentos de processos… e o resto, que é tudo que está por contar...

Vamos lá meus senhores à substância, pois de formas recheadas de incompetência balofa, anda este país entalado… entre coros e cortejos!


Comecei com  Dalí e acabo com as palavras de Sepúlveda:
 
  “Quando nós, homens, falamos da humanidade, designamos uma grande família cujo maior tesouro é a diversidade de raças, línguas, cor da pele, costumes, o modo distinto de se relacionar com a vida e com a morte. E essa família tão diferente tem, no entanto, o componente comum que faz de nós humanos: a consciência dos direitos humanos e a urgente necessidade de serem estes a constituir a única norma para organizar as nossas vidas.”
                    
Luis Sepúlveda, in “O Poder dos Sonhos” [2004]


Foto 1: tela a óleo de Salvador Dalí, pintor surrealista [Figueras, Catalunha: 1904 - 1989], in "A Apoteose de Homero" [1944-45], com subtítulo "Sonho Diurno da Gala", que aparece deitada à direita, tendo-a conhecido em Paris em 1929, sendo esta casada à data com Paul Éluard. 
Acabaria por se casar com ela em 1934. 
A obra encontra-se exposta na "Staatsgalerie Moderner Kunst", em Munique.

Foto 2: eu em 1999, três meses antes do que poderia ter sido o meu fim, nesta breve passagem, por aqui...



quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Corpos ocultos (em queda)













Regresso a este espaço que criei com o sentido de revelar situações vergonhosas do tecido social, e eu que nasci antes do 25 de Abril  mas tenho fracas memórias do tempo do fascismo... Recordo-me de estar em casa do meu avô paterno, alfaiate reconhecido da praça lisboeta, vestiu muitos políticos e artistas que não lhe pagavam os fatos... o meu avô Romano é uma das referências da minha vida, quando em casa dele tinha-mos que falar baixinho, pois podíamos estar a ser escutados. Quase 36 anos depois, juro que não me vou calar, apesar  das intimidações para não falar serem grandes...
   
Frágil é a vida, diante da arquitectura desenhada pela mão dos homens, edifícios obtusos, construções cheias de ângulos, estratégias e defesas, difamações e acusações, mentiras e misérias, formas extenuadas e substâncias famintas, números sustentados e palavras que ficam à espera do vazio, hipocrisias e ironias…

Esquecemos de fechar os olhos e acreditar na pulsação do coração, de erguer os braços ao Universo e agradecer a imensidão que somos. Isolamo-nos de quem amamos, aproximamo-nos de quem aparentemente nos facilita o que ainda chamamos vida.

Sobreviventes dos jogos processuais, funcionários duma vida pontuada, onde só os objectivos e as estatísticas predominam, horários sem horas que inundam os dias, segundos sem momentos que afundam as noites, primeiros no “ranking” do cortejo grotesco da litigância e últimos no toque aveludado da paixão.

A disponibilidade para amar é um risco para alguns, um precipício para outros, uma tentativa para poucos.

Como se congratularão os infelizes das horas vãs, do trabalho em jeito de marioneta, dos senhores que nos sugam incredulamente o hierário público, dos despachos pontiagudos que superiores hierárquicos reconfirmam a mais quadrada mentira, de senhores magistrados (quiçá, Sr. Desembargador!) do embargo encalhado, na teia da sua própria calha…

Como dizia o Dr. Marinho Pinto numa entrevista recente: há magistrados cientes do seu trabalho, outros que são… o que não escrevo por aqui, por respeito aos bons profissionais da classe, que felizmente ainda existem. Continuo à espera duma resposta do Sr. Juiz (?) desembargador  quanto ao desaparecimento misterioso dum documento... ah, e será que aprendeu na faculdade onde se provam as causas de exclusão da ilicitude? Parece que está esquecido, ou quererá que o esquecimento o abone? Será que o Tribunal da Relação de Lisboa tem "bicharocos ruminantes" ávidos de "papiros modernaços" ou existirá uma conspiração secreta (quiçá, Sociedade Secreta!) que faz desaparecer documentos e coisa e tal…

Felizmente que reencontrei a minha paz, pois caso contrário já algumas cabeças com défice encefálico tinham rolado. É que não saltamos à corda todos ao mesmo tempo...




Entre o pensamento de Freud e Jung, revejo-me mais na psicanálise do segundo autor, mas deixo-vos com uma passagem de Freud que ando a reler por motivos académicos.


“A sublimação dos instintos é um traço particularmente proeminente da evolução da civilização, é aquele que permite que actividades psíquicas superiores (científicas, artísticas, ideológicas) desempenhem um papel tão central na vida da civilização.”

Sigmund Freud, in “O Mal-Estar na Civilização” [1930]


Foto 1 e 2: "Golconda", de René Magritte [1953]

Foto 3: eu e o meu avô Romano, em 1969 (e tanto que me ensinaste em tão pouco tempo que estivemos juntos...)