quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Corpos ocultos (em queda)













Regresso a este espaço que criei com o sentido de revelar situações vergonhosas do tecido social, e eu que nasci antes do 25 de Abril  mas tenho fracas memórias do tempo do fascismo... Recordo-me de estar em casa do meu avô paterno, alfaiate reconhecido da praça lisboeta, vestiu muitos políticos e artistas que não lhe pagavam os fatos... o meu avô Romano é uma das referências da minha vida, quando em casa dele tinha-mos que falar baixinho, pois podíamos estar a ser escutados. Quase 36 anos depois, juro que não me vou calar, apesar  das intimidações para não falar serem grandes...
   
Frágil é a vida, diante da arquitectura desenhada pela mão dos homens, edifícios obtusos, construções cheias de ângulos, estratégias e defesas, difamações e acusações, mentiras e misérias, formas extenuadas e substâncias famintas, números sustentados e palavras que ficam à espera do vazio, hipocrisias e ironias…

Esquecemos de fechar os olhos e acreditar na pulsação do coração, de erguer os braços ao Universo e agradecer a imensidão que somos. Isolamo-nos de quem amamos, aproximamo-nos de quem aparentemente nos facilita o que ainda chamamos vida.

Sobreviventes dos jogos processuais, funcionários duma vida pontuada, onde só os objectivos e as estatísticas predominam, horários sem horas que inundam os dias, segundos sem momentos que afundam as noites, primeiros no “ranking” do cortejo grotesco da litigância e últimos no toque aveludado da paixão.

A disponibilidade para amar é um risco para alguns, um precipício para outros, uma tentativa para poucos.

Como se congratularão os infelizes das horas vãs, do trabalho em jeito de marioneta, dos senhores que nos sugam incredulamente o hierário público, dos despachos pontiagudos que superiores hierárquicos reconfirmam a mais quadrada mentira, de senhores magistrados (quiçá, Sr. Desembargador!) do embargo encalhado, na teia da sua própria calha…

Como dizia o Dr. Marinho Pinto numa entrevista recente: há magistrados cientes do seu trabalho, outros que são… o que não escrevo por aqui, por respeito aos bons profissionais da classe, que felizmente ainda existem. Continuo à espera duma resposta do Sr. Juiz (?) desembargador  quanto ao desaparecimento misterioso dum documento... ah, e será que aprendeu na faculdade onde se provam as causas de exclusão da ilicitude? Parece que está esquecido, ou quererá que o esquecimento o abone? Será que o Tribunal da Relação de Lisboa tem "bicharocos ruminantes" ávidos de "papiros modernaços" ou existirá uma conspiração secreta (quiçá, Sociedade Secreta!) que faz desaparecer documentos e coisa e tal…

Felizmente que reencontrei a minha paz, pois caso contrário já algumas cabeças com défice encefálico tinham rolado. É que não saltamos à corda todos ao mesmo tempo...




Entre o pensamento de Freud e Jung, revejo-me mais na psicanálise do segundo autor, mas deixo-vos com uma passagem de Freud que ando a reler por motivos académicos.


“A sublimação dos instintos é um traço particularmente proeminente da evolução da civilização, é aquele que permite que actividades psíquicas superiores (científicas, artísticas, ideológicas) desempenhem um papel tão central na vida da civilização.”

Sigmund Freud, in “O Mal-Estar na Civilização” [1930]


Foto 1 e 2: "Golconda", de René Magritte [1953]

Foto 3: eu e o meu avô Romano, em 1969 (e tanto que me ensinaste em tão pouco tempo que estivemos juntos...)