domingo, 30 de agosto de 2009

Arco-Íris Nebuloso (no palácio Ratton)




Nesta tarde quente de Domingo, fui ter com uns familiares que têm uma casa num dos bairros típicos da velha Lisboa, e ao passar na R. do Século junto ao Tribunal Constitucional (palácio da antiga família Ratton do séc. XVIII, que se dedicou à chapelaria), comecei a costurar algumas ideias para este “post”.

A separação de poderes do Estado, teoria da tripartição desenvolvida por Montesquieu, torna-se cada vez mais híbrida, as áreas indefinidas alastram, pois o “Estado” assim o permite, ou seja, “NÓS” deixamos!

As eleições (autárquicas e legislativas) aproximam-se com as guerrilhas habituais de quem usa a política como uma função e não como uma Missão. Os missionários, ou estão em vias de extinção, ou partiram numa longa viagem, sem regresso certo.

O regime semi-presidencialista está a dar lugar a um sistema cada vez mais parlamentar, pois na prática o Presidente da República começa a estar cerceado em algumas áreas de actuação.

Segundo a opinião maioritária e favorável de cinco juízes do Tribunal Constitucional, e o voto contra de dois conselheiros (um deles o presidente deste órgão colegial, o Dr. Moura Ramos), não existe qualquer inconstitucionalidade na norma do novo código de execução de penas, pedida a apreciação da fiscalização preventiva pelo Presidente da República. Maioritariamente para o TC, tal norma não põe em causa a reserva de jurisdição do caso julgado, mediante a colocação em regime aberto, de reclusos depois do cumprimento de um quarto da pena. Essa decisão passará a ser da competência do Director-Geral dos Serviços Prisionais, que ocupa um cargo administrativo, na dependência directa do poder executivo.

Do ponto de vista meramente jurídico, mais uma vez temos um caso concreto, que personifica a mitigação dos poderes, e onde existe uma decisão administrativa que coarcta uma decisão (singular) ou deliberação (colectiva) judicial.

Mas serão as decisões judiciais intocáveis?

São tocáveis e cada vez mais, mas não desta forma.


Já aqui sublinhei a ideia, que os magistrados em geral, têm uma formação parca na área da psicologia e da sociologia, isto para não parecer utópica e entrar no campo filosófico, cadeira que se leccionava no último ano do curso de direito, provavelmente em vias de extinção com o acordo de Bolonha. A teoria economicista da competitividade continua a fazer muitos estragos, um deles foi a redução do tempo de formação em alguns cursos superiores. As Universidades em vez de serem espaços abertos ao saber, onde a maturação temporal é fundamental em determinadas áreas, correm o risco de se transformarem em fábricas de produção em série de má qualidade, ao estilo das grandes cadeias mundiais de hamburgers.

Transcrevo aqui palavras proféticas de Radbruch, autor que considerei “intragável” nos meus tempos de estudante, mas que hoje considero providas de sentido, neste tempo de programinhas eleitoralistas sem qualquer sentido, neste barco quase fundeado a que ainda chamamos Portugal:

“… a ideologia dum partido transborda para fora do quadro dos seus interesses materiais. É sabido que os exércitos da luta política têm também necessidade de estender o mais possível a sua linha de frente ideal, a fim de evitar a surpresa de serem envolvidos. A constante luta entre eles obriga-os necessariamente a terem uma solução programática para todos os problemas da vida pública, inclusive para aqueles que pouco ou nada têm a ver com os seus interesses originários…”

Gustav Radbruch [1878-1949], in “Filosofia do Direito”

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Formas e Moldes (num coração desenformado)


São os grandes acontecimentos políticos, económicos e sociais que desenham a grande tela da “História da Humanidade”, escrita em cada momento incerto, mas são as pequenas histórias, aquelas que caminham sem forma, do particular para o colectivo, que desenham o que “a posteriori” moldará essa tela colectiva.

Acredito que o percurso é da indução para a dedução, como raciocínio lógico, não só em termos filosóficos, mas nas outras áreas do saber. A análise da teoria silogística dedutiva aristotélica, remete-nos para uma forma de pensamento confirmativo, que perdura no molde social que enforma ainda o nosso mundo, ainda muito mercuriano (analítico) e pouco uraniano (sintético, no sentido Universal), e assim, esquecemo-nos que o mundo somos nós.

Os meus ideais de mudar este pequeno planeta do sistema solar, há muito que ficaram guardados no passado, mas continuo a acreditar que os pequenos gestos diários, confortam quem os merece, quem os recebe, sem nada pedir em troca.

O episódio que vou relatar, aconteceu-me e deixou-me a pensar, como um pequeno acontecimento sem importância, transportou o meu pensamento para este formalismo excessivo que enforma esta sociedade doente, e por vezes, enforca-a no esquecimento da substância de si...

Hoje, ao passar por uma via de sentido único, numa zona de vivendas para os lados de Carcavelos, deparei com um pombo ferido na berma da estrada. O pequeno animal esvoaçava uma asa, mas tinha a outra ferida ou partida, não sei, pois não percebo nada de pombos. Resolvi parar o carro e apanhar o animal com a camurça amarela que tenho no carro, para o levar ao veterinário que conheço na zona. Quando parei a minha viatura, não tinha nenhum carro atrás, mas de repente surge um carro disparado como se duma auto-estrada ou via rápida se tratasse. Naquela pequena rua escondida, não se deve poder circular a mais de 40 km/hora, mas o referido senhor quando reparou que a condutora do carro (ou seja, eu…) estava fora da viatura a apanhar o pombo, ficou depravado, para não dizer “depombado” (a palavra não existe, mas encaixa como molde perfeito na situação). Foram escassos os segundos que demorei, mas aquela pessoinha que me disse que não podia perder tempo, não percebeu que não perdeu mais que um minuto na sua vida, pelo facto banal de estar a socorrer o animal. Nada disto é importante, mas deixou-me a pensar o resto do dia e pela noite dentro. Entretanto, deixei o pombo no veterinário e fui à minha vida, pois para animais em casa, basta-me um gato…

Como é que estas pessoas pequeninas vivem sem substância, preocupam-se com as formas em que se enrolam e se sufocam? Não nutro qualquer apego por pombos, mas sou incapaz de passar ao lado e fingir que não vejo nada, pois seguir em frente é o caminho, atropelando tudo e todos! Quantos são os animais, sobretudo cães e gatos com que nos deparamos mortos ou feridos nas estradas? Estranhas formas que a sociedade molda nesta armação estereotipada e aceita como certas, como se o desenformar das leis formatadas pelos homens seja um acto de "não alinhamento social".

A transposição que faço deste acontecimento banal e isolado, para o pensamento que enforma o nosso sistema judicial, faz mais uma vez sentido, não o sentido que defendo, mas o sentido errado e injusto, do excesso de positivismo que padecem os nossos magistrados, pois, frequentes vezes esquecem-se, talvez por comodismo da dita "justiça de gabinete" que qualquer que seja a lei vigente que contrarie princípios morais e éticos, deixa de ter qualquer validade no plano da consciência humana, e o que é formalmente válido, quase sempre é substancialmente inválido e acima de tudo indigno.

Os vários intervenientes neste jogo do que chamam "justiça", esquecem-se que essa legitimação jus-positivista forma o molde que urge desenformar, para uma sociedade mais justa, mas acima de tudo, mais digna, que atenda à substância das causas. Não nos esqueçamos que a verdade que a "justiça" procura é meramente material, mas costumo dizer que é uma mentira substancial…

Será que assim os pontos se tocam? Como o lastro da rebentação das ondas na praia? Se o mar tivesse um limite certo e positivista para as ondas tocarem a areia, desvirtuava toda a noção de equilíbrio e harmonia, que o Universo nos propõe.

Assim, prossigo com o meu coração desenformado…
como onda que não procura definições estáticas na rebentação da areia da praia…