sábado, 26 de setembro de 2009

Um mal menor ou um bem maior



Dizem que a escolha é nossa, mas como se decide no cerne da mediocridade?

O sentido definido sem lamúrias do destino, sem fado lúgubre desta mesquinha culpabilidade, deste assombro de sombras confusas, desta mutabilidade imóvel suspensa em marionetas…
talvez por tudo isto, acredite que o país onde nasci, um dia alará como cavaleiro duma qualquer caravela, deste sangue que molda quase nove séculos um templo sem tempo, olhos abertos ao azul imenso do Atlântico…

Este ilustre pedestal de mármore erguido, que espera um qualquer D. Sebastião, sol doirado até cegar ou bruma densa até claudicar? Não sei por quem esperamos, que espera é esta do amanhã, vertigem que o momento presente condensa em obscuridade e condena um povo à sua tangibilidade, sem vislumbre dum outro horizonte...

Nada lamento, nada peço, sigo a luz que eclode dentro de mim, na fusão de todos os opostos duma nova dimensão, permeabilizando estereótipos, arquétipos e simbologias herméticas.

Sem rituais de vassalagem, o mar que me avassala é brando e justo, da justiça que os homens esqueceram, da brandura que os Deuses ignoraram.
Recortes de formas adulteradas moldam o pensamento laicizado de emoção, esta falta de consciência dos seres que povoam os órgãos da política… e não só, dos outros falarei depois.

Recordo hoje, o meu primeiro envolvimento político, o coração junto às cordas vocais por paixão (ainda hoje sou assim…), da primeira vez que votei, da primeira causa política na qual participei activamente contra a vontade do meu pai, da primeira eleição presidencial do Dr. Mário Soares (1985), casta que dificilmente se voltará a repetir. A inteligência era aliada de alguns políticos desse tempo, entre o manifesto e o protesto…

Hoje, temos os piores… assim, teremos que escolher um mal menor….

Acredito que depois deste mal menor, Portugal reencontrará o seu “Bem Maior”.

… Portugal perdeu a capacidade de sonhar… lá voltaremos…

Um sonho ainda chamado Portugal, adiado por timoneiros sem leme, nem tino…

Permanecemos neste dilema entre o sonho e o sonhador:

“Existe o sonho e existe o sonhador do sonho. O sonho é um breve jogo de formas. É o mundo – relativamente real, mas não absolutamente real. Depois há o sonhador, a realidade absoluta, na qual as formas vão e vêm. O sonhador não é pessoa. A pessoa faz parte do sonho. O sonhador é a base na qual o sonho aparece, aquilo que torna o sonho possível… O sonhador é a própria consciência - quem nós somos.”

Eckhart Tolle, in “Um Novo Mundo” [2005]


Foto 1: painel do soalho do Padrão dos Descobrimentos, em Belém.
Foto 2: corria o ano de 1985, para os lados de Belém...

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Palavras... para quê?


Tanto e tão pouco a escrever, tudo por sentir.

A menos de um mês das próximas eleições legislativas, nada de novo, tudo na mesma, melhor ou pior, atento ou desatento, autêntico ou encenado...

Falta a esta embarcação encalhada, perdida na noção de nação e de povo, um rosto com carisma, um olhar que conduza duma forma arrebatadora este mítico personagem timoneiro, este espaço onde dizem que nasci...
mas venho de muito longe, enlaçada nos laços dum velho amor.

Gosto do olhar do escritor A. Lobo Antunes (o único olhar para além dos olhos do meu amor), quando diz: “as máscaras caiem, mas os rostos permanecem”.
Confesso aqui, a minha paixão intelectual por um dos maiores escritores vivos. Quando morrer, repetir-se-ão as reportagens, as comemorações, as tretas de sempre, mas a vida, o agora, onde está?

A campanha eleitoral que estamos a assistir, é das piores desde o 25 de Abril de 74, personagens débeis, outros astutos, outros... simplesmente miseráveis.

Revejo-me por dentro como a minha história de vida que tem muito mais que quatro fugazes décadas...
suspendo-me num sonho de outros candidatos a primeiro-ministro, um Lobo Antunes, uma Natália Correia… e porque não, outra vez, Mário Soares.

Sei, sinto o tempo imenso que ando por aqui... neste planeta telúrico, longe e perto de mim, sobrevoando como ostra submergida o certo olhar do meu Amor...

Como é vil e desprezível a encenação a que assistimos, com debates toscos, “debatinhos” arrebitados,
assim, vislumbro a entrega do meu país ao desbarato.

As hierarquias, as burocracias, a “justicinha” administrativa, a inércia para tocar uma nova dimensão, a “politiquinha” decadente, o “povinho” acena e deixa passar a oportunidade de mudar o caos deste pequeno espaço no planeta Terra, a que ainda chamam Portugal.

Não existem almas candidatas para o destino da nação, só máscaras que se repetem, rostos que permanecem, nesta cópula entre o fascismo e o comunismo.
Assim, os pontos tocam-se, as margens submergem, sem alcançar o profundo azul do oceano (só o olhar azul do meu amor me toca...), tudo o resto não vale nada, como dizia José Régio…
políticos precisam-se, urgentemente... como o Amor...

Hoje, sei que não vou por aí...

(e este não é o meu espaço de poesia, mas poesia é tudo o que sinto...)







Cântico Negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio