terça-feira, 20 de outubro de 2009

Nação sem Inscrição


Acredito que as energias positivas são cruciais para um percurso mais equilibrado, mesmo nos momentos incertos em que a harmonia se desarmoniza, pois o melhor bem que alguém ou uma nação pode ter (não gosto do verbo possuir…) é ser saudável. A saúde é muito mais que um bem físico, ela é também a capacidade de comunicar com os outros no cômputo das divergências, pois a transferência de litígios para terceiros, o "passar a bola" não a querendo agarrar, consubstancia a redução do ser humano e do espaço onde não se inscreve, seja esse espaço público ou privado.
E não estou a falar de futebol, pois não gosto, mas respeito quem consegue estar cinco minutos a ver uns sujeitos a correr atrás dum objecto redondo… e falar-se desse objecto com o acervo dum debate nacional… é o que merecemos, provavelmente!

Com a conclusão das eleições legislativas e autárquicas, temos os senhores e senhoras a arrumar as suas ”casinhas”, como quem arruma livros numa estante de madeira nobre. No fundo, nada mudou nos alicerces do pensamento deste espaço geográfico a que chamamos Portugal e a sua falta de inscrição activa.

Continuamos com esta ”lenga-lenga” rotineira a que o povo se habituou e do qual não quer sair. No momento do voto, desconhecem-se as equipas adstritas a cada ministério dos diversos candidatos concorrentes, o que é um erro crasso na nossa democracia semi-parlamentar. As caras, os rostos, as pessoas… são fundamentais, elas são o barro que moldam as ideias e as práticas... quando existem, o que é cada vez mais raro, para não dizer inexistentes.

Vamos continuar com os problemas na educação, na saúde, na justiça… e quanto, a esta última temos que ter consciência que há muito que deixamos de ter uma justiça judicial, temos uma justiça administrativa, onde a vocação passou a funcionalismo público, na generalidade dos casos, com as devidas e veneradas excepções. Com o “processo de Bolonha”, temos uma formação académica cada vez mais precoce, com os riscos subjacentes à falta de maturação. Acontece com os professores, com os médicos, com os magistrados… A existência duma idade mínima para aceder a determinadas carreiras, é algo que deveria ser debatido com urgência, pois esta precocidade contém riscos graves nas mais diversas áreas sociais, mas disto não se fala, não dá jeito ao sistema instituído.

Sou contra qualquer tipo de obrigatoriedade imposta, e há muito que as teorias penais retributivas não fazem qualquer sentido, assim como as teorias penais de prevenção geral e especial estão profundamente erradas na sua génese, como têm demonstrado na prática. A reforma das leis penais, vai ser mais um fiasco, pois não se debate o cerne da questão: a responsabilização da inscrição de cada cidadão no destino da Nação, que dizem ser Portugal…

Deveria ser recomendado aos estudantes do ensino secundário a leitura dum livro fabuloso, de José Gil: “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”. Mas, também deve ser incómodo e prolixo para o sistema que dexamos instituir no nosso dia a dia, como meros assistentes numa plateia sem luz.

Quem não leu o livro, recomendo-o… livremente, como sou e serei… Sempre!

"Em Portugal nada acontece, «não há drama, tudo é intriga e trama».
… recusa imposta ao indivíduo de se inscrever.
… consciências vivem no nevoeiro.
… coexistência de ideias incompatíveis numa consciência clara que as une e faz delas «pensamento». O que supõe o nevoeiro invisível ou sombra branca.
… código penal português… o espírito «machista» que inspirou a redacção dessas leis…
… a consciência que resulta da não-inscrição vai conduzir o indivíduo português a familiarizar-se com espaços crepusculares, com o «entre-dois» de todas as alternativas que se erguem no seu caminho. Não implica isso que ele entre numa «atmosfera subliminar», ou ganhe não sei que textura amorfa da consciência."



José Gil, in “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”(*) [2004]
(*) capítulo II: O país da não-inscrição.






Imagem: Tela a óleo "Chichister Canal"[1828], de William Turner (**), exposta na "Tate Gallery", em Londres.
(**) Pintor romântico-impressionista (Londres, 23 de Abril de 1775 - Chelsea, 19 de Dezembro de 1851)