sábado, 13 de junho de 2009

Trajectos e trajes sem trajecto



Quando entrei na faculdade de Direito, existia uma cadeira que se chamava: “História das Instituições e do Direito Romano”, que provavelmente com estes acordos de Bolonha já não existe ou para lá caminha. Reduziu-se de cinco para quatro anos a licenciatura em Direito o que constitui um erro crasso, com resultados muito negativos que o futuro manifestará. Nunca entendi esta urgência do tempo da sociedade de consumo, onde nunca me revi, esta fragmentação das pessoas, estes interesses mesquinhos e pequeninos que se esfumam como a neblina matinal na manhã seguinte.

Estudei direito romano, com o Dr. Silveira Botelho com quem aprendi umas coisas que hoje dou algum valor, mas naquele tempo não pensava assim, pois o chefe de gabinete da Drª Leonor Beleza evadia-se das aulas antes dos jornalistas chegarem a Sta. Marta… grandes peripécias desses tempos incertos de 1990. Nesse tempo estudei a evolução dos trajes que os magistrados e advogados envergaram ao longo dos tempos, as suas linhas de corte e costura têm uma explicação sociológica, psicológica e cultural, nesta sociedade ainda patriarcal. As ridículas cabeleiras postiças dos senhores juízes, os sapatos de tacão alto que usavam (parece que alguns ainda os usam!) encobertos por aquele traje horrível que chamam togas na pele dos advogados e nas becas no caso dos magistrados, urge acabar, urgentemente! Dizem que o preto pelo facto de ser uma cor neutra, neutraliza o rosto e o corpo, da causa ou da acção... Todo o sistema judicial é superficial e latente, criado pela face dos homens sem rosto!

Não esqueçamos que as mulheres só tiveram acesso à magistratura e à carreira diplomática num passado recente, pois tudo o que é inferior a 40 ou 50 anos, é um passado próximo em termos de análise histórica dos factos. Hoje, os números revelam que as mulheres estão em maioria (será que estão mesmo, na essência do feminino?), basta passar os olhos pelo último relatório do CEJ. Qual será o impacto desta mudança, em termos da constituição parlamentar, de novas ideologias políticas que possam germinar num futuro próximo? Nunca acreditei em nada que funcionasse pela imposição, por isso, não entendo a questão das quotas das mulheres na política. É completamente absurdo este pensamento, não frutificou em mentes de mulheres de verdade, mas em mulheres que imitam o pior dos homens. Não entendo as mulheres que falam como os homens, que se vestem por dentro e por fora como eles, que fazem parte dum tecido social germinado pelos homens, na sua mais profunda banalidade. São as próprias mulheres que se dividem entre elas: as letradas e as que não o são. É redutora esta forma de pensar, é uma renegação das “outras” mulheres: as operárias, as mulheres que por qualquer motivo não tiveram acesso a outros níveis de escolaridade, o que nem sempre é sinónimo de educação. Conheço verdadeiras mulheres com pouca instrução académica, assim como também conheço falsas mulheres com formação universitária, algumas até com doutoramentos...

Não sou feminista no sentido puro do termo, mas sim matricial, aliás como também o era a grande diva: Natália Correia. Temos que caminhar no sentido de despertar nos homens a verdadeira ligação que existe entre a terra e o céu. Continuamos a viver com leis patriarcais, com religiões patriarcais, com trajes patriarcais, mas acredito que o trajecto poderá ser outro e acontecer a qualquer momento, na incerteza do tempo dos outros, mas que também é o nosso, o tempo da nova era aquariana, onde as verdadeiras mulheres serão o motor de arranque para uma nova dinâmica social.

Concluo esta minha divagação na incerteza dos tempos, na certeza das palavras duma das mulheres que sempre admirei desde muito cedo nesta minha vida, palavras providas duma actualidade extrema, passados quase 26 anos...

e assim se recorta e recorda a história que fica para a eternidade, num trajecto com rosto:

“… não vale a pena a mulher libertar-se para imitar os padrões patristas que nos têm regido até hoje… a mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva da Natureza, precisamente para os impor ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e foram criados pelas nacionalidades masculinas…”


Natália Correia , in entrevista ao DN em 11-09-1983



Foto 1: Natália Correia - um trajecto sem traje que fica na história da humanidade.
(subscrevo o olhar e a alma, completamente e de dentro...)

Foto 2: Um qualquer funcionário do Estado - traje sem trajecto.
(nada subscrevo... nada mesmo)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Europeístas... convictos!




Existem momentos, neste caso, incertos, em que o que sinto dos cenários político-sociais me deixa apreensiva em relação ao futuro das novas gerações… mas o futuro nasce do agora, e esse em nada é autêntico, verdadeiro, desprovido da inteligência que move os homens com ideias que nascem de dentro, homens com convicções mais que religiosas, homens que conseguem transpor o seu próprio tempo. Esses homens estão arredados da política activa, infelizmente.


A campanha eleitoral destas eleições, do que ainda chamam Europa (será que voltaremos a ser raptados por algum Zeus… dizem, que a história repete-se sempre…) é mesquinha, com candidatos do pior que já vi, desde que a democracia se instalou (será?) neste quintal europeu.

O desnorte social é total, sente-se nas pessoas com que me cruzo no café, no supermercado, nos lugares comuns e banais do chamado quotidiano. Entendo melhor o olhar da porteira do meu prédio e da senhora da limpeza, do que dos senhores magistrados que os escondem por vergonha em processos injustos. Refugiam-se em pareceres teóricos, em trocadilhos legais, na malha legislativa que tão bem conhecem, atabalhoando assim a realidade dos factos. Alguns nem dão a cara, nem o olhar, lavram (lavrar: penso sempre na fazenda pública…) uns papéis a que chamam “despachos”, entregues educadamente, por funcionários a quem de direito. Chamo a este procedimento: hipocrisia legalista e desmérito no exercício público das funções, para as quais não estão habilitados, por falta de formação moral e ética.

A falta de ideais preocupa-me, a falta de entendimento nos olhares magoa-me, pensar que a vida é uma função burocrática aterroriza-me, e assim a sociedade umbilical desprestigia aquilo que ainda chamo condição humana, não no sentido de condicionamento, mas de libertação.

Fiquei surpreendida com a candidatura do Dr. Vital Moreira a estas eleições europeias… nem todos temos a capacidade de prognóstico, da noção de tocar a linha do ridículo. Só se pode aperfeiçoar aquilo que se tem, como o dom da palavra… não é o caso, o que neste caso (o redundância casuística é intencional) é fundamental.

Por mera curiosidade fica aqui, mais um daqueles livros que li no início da faculdade, por coincidência do senhor referido no parágrafo anterior – quem diria, passados 22 anos, o referido senhor seria candidato ao Parlamento Europeu… talvez daqui a duas décadas seja cantor de ópera na Lua, pois as viagens já estão à venda, nunca se sabe! Basta comprar o bilhete... às vezes, a política actual que se confunde com a actualidade política, também é assim: compram-se passes de passagem, onde os passageiros não deixam rasto, só restos de figurações esquecidas no dia seguinte.

“… de todo o exposto resulta que o capitalismo tem moldado à sua feição uma ordem jurídico-política que o exprime e assegura. Através de todas as transformações, a ordem jurídica tem sido um elemento constituinte e um esteio fundamental do capitalismo. Apesar das restrições e da admissão de elementos contraditórios, a ordem jurídica mantém como núcleo essencial, como instituição irrenunciável, o fundamento do capitalismo como sistema económico: a propriedade privada dos meios de produção… É por isso que a substituição deste implica uma transformação social-revolucionária.”

Vital Moreira, in "A Ordem Jurídica do Capitalismo" [1987] (*)


(*) será que utilizaria hoje a mesma palavra composta: “social-revolucionária”? Cada um terá a sua resposta, no próximo Domingo…



Imagem 1: Capa do livro referido (a digitalização é má, pois o livro está amarelecido, passou muitos anos na minha arrecadação...)


Imagem 2: Pintura de Wassily Kandinski, pintor e artista abstraccionista, professor da Bauhaus, licenciado em Direito, estudou economia. Nasceu em Moscovo em 1866 e faleceu em 1944, com nacionalidade francesa. A obra de 1910, está exposta no Museu Nacional de Arte Moderna, no Centro Georges Pompidou, em Paris.