segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Palavras... para quê?


Tanto e tão pouco a escrever, tudo por sentir.

A menos de um mês das próximas eleições legislativas, nada de novo, tudo na mesma, melhor ou pior, atento ou desatento, autêntico ou encenado...

Falta a esta embarcação encalhada, perdida na noção de nação e de povo, um rosto com carisma, um olhar que conduza duma forma arrebatadora este mítico personagem timoneiro, este espaço onde dizem que nasci...
mas venho de muito longe, enlaçada nos laços dum velho amor.

Gosto do olhar do escritor A. Lobo Antunes (o único olhar para além dos olhos do meu amor), quando diz: “as máscaras caiem, mas os rostos permanecem”.
Confesso aqui, a minha paixão intelectual por um dos maiores escritores vivos. Quando morrer, repetir-se-ão as reportagens, as comemorações, as tretas de sempre, mas a vida, o agora, onde está?

A campanha eleitoral que estamos a assistir, é das piores desde o 25 de Abril de 74, personagens débeis, outros astutos, outros... simplesmente miseráveis.

Revejo-me por dentro como a minha história de vida que tem muito mais que quatro fugazes décadas...
suspendo-me num sonho de outros candidatos a primeiro-ministro, um Lobo Antunes, uma Natália Correia… e porque não, outra vez, Mário Soares.

Sei, sinto o tempo imenso que ando por aqui... neste planeta telúrico, longe e perto de mim, sobrevoando como ostra submergida o certo olhar do meu Amor...

Como é vil e desprezível a encenação a que assistimos, com debates toscos, “debatinhos” arrebitados,
assim, vislumbro a entrega do meu país ao desbarato.

As hierarquias, as burocracias, a “justicinha” administrativa, a inércia para tocar uma nova dimensão, a “politiquinha” decadente, o “povinho” acena e deixa passar a oportunidade de mudar o caos deste pequeno espaço no planeta Terra, a que ainda chamam Portugal.

Não existem almas candidatas para o destino da nação, só máscaras que se repetem, rostos que permanecem, nesta cópula entre o fascismo e o comunismo.
Assim, os pontos tocam-se, as margens submergem, sem alcançar o profundo azul do oceano (só o olhar azul do meu amor me toca...), tudo o resto não vale nada, como dizia José Régio…
políticos precisam-se, urgentemente... como o Amor...

Hoje, sei que não vou por aí...

(e este não é o meu espaço de poesia, mas poesia é tudo o que sinto...)







Cântico Negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio

14 comentários:

  1. Aplaudo a escolha de José Régio.
    E acredito que, a mudança começa em nós.
    Acredito que podemos fazer a diferença!
    Bjs

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  2. Na questão política, subscrevo o escreveste. Sinto uma coisa parecida...
    Do Lobo Antunes, deixei de gostar dele. No último livro que li, fiquei a meio. Eu já nem sabia onde estava... acho que ele, naquele livro que já nem me lembro qual era, abusou das redundâncias, das repetições, etc., e perdi-me... Mas gosto da criatividade literária dos seus textos (até na Visão, gosto muito).
    Uma boa semana para ti.
    Abraço.

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  3. sim, prefiro os momentos incertos, incrédulos.
    abraços musicais,


    Gustavo

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  4. O outro lado do espelho: tudo começa em nós, é verdade...
    Um beijo

    Nilson Barcelli: obrigado pelas palavras, e quanto a Lobo Antunes continua a ser um dos meus escritores preferidos, mas em parte concordo contido, no que se refere ao "Ontem não te vi em Babilónia", penso que será desse que falas.
    Um abraço

    Papagaio Mudo: retribuo a música do abraço...

    Chris

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  5. Chris, é mesmo o "Ontem não te vi em Babilónia" que eu falei. Perdi a paciência... ainda que literariamente tenha passagens excepcionalmente boas.
    Um beijo.

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  6. Mas este não poderia ser
    Pois cá estou do outro lado do oceano
    A não ser que minha voz
    esteja ecoando sobre os mares
    ou seria então uma epidemia de políticos
    vindos da mesma escola.
    Bem, mas o que importa?!
    Tudo e nada,
    mas perceba, não estou falando de comercio de exportação,e sim da humanidade, onde este se parece mais com o livre comercio, pelo próprio descaso com os eleitores.
    Chris ecoa pelo o mundo suas palavras, o que não me alegra nada, mas enquanto eu não encontrar um político descente meu voto, eles não levam.

    Pra melhora só um Keith Jarret, perfeito, meu fiel companheiro de minhas pinturas.
    Bjinhos boa semana.

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  7. Aqui estamos perdidos... o que julgávamos podermos optar... também nos desiludiu com atitudes menos patrióticas e de certa forma equiparadas ao que abominamos, que são os extremos.
    Ainda nada decidimos... é mesmo uma vergonha estas campanhas (não temos verbas para o "essencial" e gastamos milhões nestas palhaçadas).

    Tal como Omraam só temos o que merecemos...mas será que eu/minha família, merece isto?

    Que Deus nos ilumine a todos, para votarmos no melhorzito que por aí andar.

    Bjs.
    Mer

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  8. Gostei de parar aqui.

    Retive:
    [...Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
    Ninguém me peça definições!
    Ninguém me diga: "vem por aqui"!]

    Um beijo

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  9. ADiniz: não há águas que separem os amigos e a amizade, por isso um abraço do lado de cá do Oceano... e obrigada.

    Mer (Retiro do Éden): pois, mas como se escolhe no meio dos piores? Um beijo

    Lídia Borges: é um dos meus poemas de eleição, já publicado no "Momento Certo", repeti-me por aqui... mas gosto de repetir a excelência das palavras do Régio.
    Obrigado pela tua visita por aqui

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  10. A POLÍTICA? ALGUMA VEZ CHEGOU A SER A ARTE DE BEM GOVERNAR? OS POLÍTICOS SÃO VERDADEIROS SOFISTAS...QUE SE PERDEM NOS MEANDROS DA CORRUPÇÃO, DO FACILITISMO...DOS INTERESSES PARTICULARES,DOS FAMILIARES E AMIGOS E NO FIM DO POVO,SÓ NO FIM...
    LOBO ANTUNES,NATÁLIA CORREIA,MÁRIO SOARES...O CLUBE DOS POETAS "MORTOS"...
    E JOSÉ RÉGIO TINHA RAZÃO...NO SEU CÂNTICO NEGRO...INTEMPORAL ...UM HINO BEM REPRESENTATIVO ,DIGNO DE SER CANTADO...

    "políticos precisam-se, urgentemente... como o Amor... "

    BEIJINHO

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  11. Cris, em todos os espaços devem ser explanados textos com temos políticos. Precisamos estar engajados. Fingir que não, não ouve, não sabe. O poeta também é uma voz para tocar na consciênca de todos. Taí, gostei!
    Nós merecemos ler e ouvir consciências lúcidas!
    Abraços conscientes

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  12. Não, tb não vou por aí!
    Com máscaras ou já sem elas, não nos podem continuar a enganar! Não podemos continuar a deixar que nos asfixiem!

    Bjos

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  13. Foi, sem dúvida, uma péssima campanha eleitoral, o que faz com que a vontade de dar o nosso voto às opções que temos seja praticamente nula. Mas pesa a vontade de manter a chama democrática acessa, apesar do péssimo serviço prestado pelos políticos nesse sentido.
    Amanhã é dia de voto, o pior é escolher o menos mau
    um beijo

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  14. Pedrasnuas: pois... esse velho clube dos poetas mortos, urge renascer.
    Obrigado pelas palavras certas.

    Norma Vilares: consciências lúcidas precisam-se. É verdade...

    Perla: Asfixia de ideias, de políticas, de gente com capacidade...
    Obrigado pela visita por aqui

    Uminuto: escolher o menos mau... pois é.

    Um abraço e obrigado pelos comentários, que me fazem regressar aqui...

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