quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Formas e Moldes (num coração desenformado)


São os grandes acontecimentos políticos, económicos e sociais que desenham a grande tela da “História da Humanidade”, escrita em cada momento incerto, mas são as pequenas histórias, aquelas que caminham sem forma, do particular para o colectivo, que desenham o que “a posteriori” moldará essa tela colectiva.

Acredito que o percurso é da indução para a dedução, como raciocínio lógico, não só em termos filosóficos, mas nas outras áreas do saber. A análise da teoria silogística dedutiva aristotélica, remete-nos para uma forma de pensamento confirmativo, que perdura no molde social que enforma ainda o nosso mundo, ainda muito mercuriano (analítico) e pouco uraniano (sintético, no sentido Universal), e assim, esquecemo-nos que o mundo somos nós.

Os meus ideais de mudar este pequeno planeta do sistema solar, há muito que ficaram guardados no passado, mas continuo a acreditar que os pequenos gestos diários, confortam quem os merece, quem os recebe, sem nada pedir em troca.

O episódio que vou relatar, aconteceu-me e deixou-me a pensar, como um pequeno acontecimento sem importância, transportou o meu pensamento para este formalismo excessivo que enforma esta sociedade doente, e por vezes, enforca-a no esquecimento da substância de si...

Hoje, ao passar por uma via de sentido único, numa zona de vivendas para os lados de Carcavelos, deparei com um pombo ferido na berma da estrada. O pequeno animal esvoaçava uma asa, mas tinha a outra ferida ou partida, não sei, pois não percebo nada de pombos. Resolvi parar o carro e apanhar o animal com a camurça amarela que tenho no carro, para o levar ao veterinário que conheço na zona. Quando parei a minha viatura, não tinha nenhum carro atrás, mas de repente surge um carro disparado como se duma auto-estrada ou via rápida se tratasse. Naquela pequena rua escondida, não se deve poder circular a mais de 40 km/hora, mas o referido senhor quando reparou que a condutora do carro (ou seja, eu…) estava fora da viatura a apanhar o pombo, ficou depravado, para não dizer “depombado” (a palavra não existe, mas encaixa como molde perfeito na situação). Foram escassos os segundos que demorei, mas aquela pessoinha que me disse que não podia perder tempo, não percebeu que não perdeu mais que um minuto na sua vida, pelo facto banal de estar a socorrer o animal. Nada disto é importante, mas deixou-me a pensar o resto do dia e pela noite dentro. Entretanto, deixei o pombo no veterinário e fui à minha vida, pois para animais em casa, basta-me um gato…

Como é que estas pessoas pequeninas vivem sem substância, preocupam-se com as formas em que se enrolam e se sufocam? Não nutro qualquer apego por pombos, mas sou incapaz de passar ao lado e fingir que não vejo nada, pois seguir em frente é o caminho, atropelando tudo e todos! Quantos são os animais, sobretudo cães e gatos com que nos deparamos mortos ou feridos nas estradas? Estranhas formas que a sociedade molda nesta armação estereotipada e aceita como certas, como se o desenformar das leis formatadas pelos homens seja um acto de "não alinhamento social".

A transposição que faço deste acontecimento banal e isolado, para o pensamento que enforma o nosso sistema judicial, faz mais uma vez sentido, não o sentido que defendo, mas o sentido errado e injusto, do excesso de positivismo que padecem os nossos magistrados, pois, frequentes vezes esquecem-se, talvez por comodismo da dita "justiça de gabinete" que qualquer que seja a lei vigente que contrarie princípios morais e éticos, deixa de ter qualquer validade no plano da consciência humana, e o que é formalmente válido, quase sempre é substancialmente inválido e acima de tudo indigno.

Os vários intervenientes neste jogo do que chamam "justiça", esquecem-se que essa legitimação jus-positivista forma o molde que urge desenformar, para uma sociedade mais justa, mas acima de tudo, mais digna, que atenda à substância das causas. Não nos esqueçamos que a verdade que a "justiça" procura é meramente material, mas costumo dizer que é uma mentira substancial…

Será que assim os pontos se tocam? Como o lastro da rebentação das ondas na praia? Se o mar tivesse um limite certo e positivista para as ondas tocarem a areia, desvirtuava toda a noção de equilíbrio e harmonia, que o Universo nos propõe.

Assim, prossigo com o meu coração desenformado…
como onda que não procura definições estáticas na rebentação da areia da praia…

10 comentários:

  1. Cara Chris,
    Existem algumas "verdades" que as pessoas afirmam, ao meu ver absurdas, para justificar, ou tentar, atitudes insensíveis como a que você presenciou.
    Uma delas é aquela que diz que "Deus criou o homem à sua imagem e semelhança", e é usada para excluir os demais seres dessa "semelhança". Primeiro, devo dizer que a afirmação nunca disse que fosse APENAS O HOMEM. Segundo, se o ser humano é semelhante a Deus, sendo isto que é, bem, melhor nem pensar muito no assunto, para não me deprimir.
    Outra "verdade", hoje já jogada por terra, é a de que "o homem é o único animal que raciocina". O que, mesmo que fosse realmente verdadeiro, também não implicaria que o homem é o único a sentir algo, a trer sentimentos, a merecer compaixão.
    Penso que talvez pessoas como esse senhor sejam, sim, os verdadeiros animais irracionais.
    Parabéns pelo seu gesto.

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  2. Hoje passo para te desejar bom final de semana...
    beijos

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  3. Pensador: por vezes, os "humanos" estão longe de tocar e respeitar o mundo animal, vegetal e mineral, definido por eles, os humanos... Obrigado pelo seu comentário provido de palavras que urgem nos dias de hoje.
    Volte sempre.

    Sonia: retribuo os votos. Obrigado.


    Chris

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  4. Boa tarde enevoada...
    «A verdade que a "justiça" procura é meramente material, mas costumo dizer que é uma mentira substancial…

    Será que assim os pontos se tocam? Como o lastro da rebentação nas ondas na praia? Se o mar tivesse um limite certo e positivista para as ondas tocarem a areia, desvirtuava toda a noção de equilíbrio e harmonia, que o Universo nos propõe.

    Assim, prossigo com o meu coração desenformado…
    como onda que não procura definições estáticas na rebentação da areia da praia… »

    Depois desta leitura deleitei-me com este final.
    É verdade que os humanos masculinos não gostam de conviver com humanos femininos de intelecto inteligente. Na generalidade (vai doer a certos homens mas é a verdade) eles só veêm o óbvio... tudo o que é subtil...não é visível para eles...raros são os que têm a sensibilidade apurada para momentos certos ou incertos. Nunca fazem "A ponte" para este ou aquele problema, para esta ou aquela situação...
    Como o Mundo está a ser (mal) governado, na sua maioria por homens ... não há, para já, volta a dar...teremos que cultivar a paciência.
    Perdoai-lhes SENHOR que eles não sabem o que fazem!
    Lindo o seu gesto, para com o moribundo pombinho.
    Mas, um conselho, se o seu gato o vê chamar-lhe-á "um rico manjar!".

    Por vezes leio os seus temas... e, não obstante concordar com os seus raciocínios, não os comento.

    Forte abraço
    Mer

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  5. Olhe, Amiguinha:
    Foi e é dos melhores blogues que já encontrei na Blogosfera.
    Tem todas as qualidades fabulosas e de encanto, numa escrita fluente, intensa e que faz maravilhar. Faço-lhe um vénia ao seu admirável e extraordinário génio e talento.
    Tudo aqui fascina.
    Os meus sinceros parabéns.
    Beijinhos de amizade e respeito gigantescos.
    Sempre a admirá-la

    pena

    Deixei-lhe um comentário no seu outro blogue majestoso de encantador que delícia.
    Magistral.
    Tem uma capacidade literária divinal.
    Bem-Haja!


    Linda...!

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  6. gostei de ler.

    e por vezes ao longo da nossa vida encontramos casos e pessoas que sinceramente, só podemos dizer:

    no coments

    deixo um beij

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  7. EXACTAMENTE...SÃO OS PEQUENOS GESTOS QUOTIDIANOS,APARENTEMENTE INSIGNIFICANTES QUE PARTEM DO CÍRCULO RESTRITO PARA OS GRANDES FENÓMENOS QUE MOLDAM E MUDAM OS PERCURSOS DA HISTÓRIA. E INFELIZMENTE SE A BASE ESTÁ PODRE...COMO PODEREMOS COLHER ALGUM FRUTO DO TOPO DA PIRÂMIDE? SE OS VALORES,SE OS PRINCÍPIOS ESTÃO EM QUEDA LIVRE COMO QUEREMOS QUE OUTROS MAIS COMPLEXOS NÃO SE ENCONTREM DETURPADOS E AMARROTADOS...
    OS GESTOS SIMPLES DITAM O CARÁCTER E A DIGNIDADE E O HUMANISMO DE QUEM OS PRATICA.

    BEIJINHO

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  8. Olhe, Fabulosa Amiga:
    "...Como é que estas pessoas pequeninas vivem sem substância, preocupam-se com as formas em que se enrolam e se sufocam? Não nutro qualquer apego por pombos, mas sou incapaz de passar ao lado e fingir que não vejo nada, pois seguir em frente é o caminho, atropelando tudo e todos! Quantos são os animais, sobretudo cães e gatos com que nos deparamos mortos ou feridos nas estradas? Estranhas formas que a sociedade molda nesta armação estereotipada e aceita como certas, como se o desenformar das leis formatadas pelos homens seja um acto de "não alinhamento social..."

    Deliciou-me, sabe?
    Que nobreza do acto.
    Um gesto solidário perfeito de encantar e maravilhar. Doce.
    Parabéns pelo gigante Ser Humano que é.
    Pena, da "pessoinha". Não deve sentir. Deve ter um coração oco. Vazio.
    Beijinhos, sim...? Com respeito imenso...
    Sempre a admirá-la

    pena

    Bem-Haja, fabulosa amiga!
    Adorei!

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  9. Retiro do Éden (Mer): concordo consigo, pois o mundo continua a ser mal governado, maioritariamente por homens, mas também por algumas mulheres. A inteligência não tem sexo, apesar de existiram formas de pensar diferentes, estudadas e comprovadas cientificamente.
    Um abraço e volte sempre com os seus comentários que muito me apraz.

    Pena: obrigado pela sua presença por aqui, onde procuro expor algumas das minhas preocupações, do âmbito social.
    É um prazer tê-lo por aqui.
    Um abraço

    Piedade: temos que seguir em frente amiga.
    Obrigado

    Pedrasnuas: são as pequenas coisas que fazem sentido, e concordo consigo: este mundo anda "amarrotado".
    Um beijinho

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  10. Olá

    O mundo é feito de pequenos gestos que fazem a diferença...o teu foi um deles.

    Um gesto nobre.

    Bjs.

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